Após um final de semana marcado por denúncias na imprensa de abusos praticados por oficiais da Marinha, que disputa na Justiça com quilombolas a área conhecida como Barragem dos Macacos, os defensores federais Átila Ribeiro Dias e João Paulo Lordelo estiveram no local para verificar a situação.
No último domingo (4), segmentos da sociedade civil estiveram na área para doar alimentos aos quilombolas e protestar contra as ações de militares da Marinha e relataram, por meio de redes sociais e imprensa, alguns dos excessos que teriam sido cometidos.
Segundo eles, a Marinha estaria preparada para tomar o terreno, teria cercado o local e não permitido o acesso dos manifestantes à comunidade com a ajuda da Polícia Militar do Estado. Só após algumas horas de negociação, os oficiais teriam liberado a entrada de um pequeno grupo para entregar os mantimentos.
Na visita feita na segunda (5), os defensores reuniram-se com cerca de dez membros da comunidade que confirmaram receber ameaças constantes dos militares. Os moradores relataram o uso de violência física, a destruição de casas e que estão sendo impedidos de andar livremente pela área e de plantar alimentos para sua subsistência. De acordo com eles, os militares estão recolhendo até as frutas colhidas pela comunidade, o que teria ensejado doações e manifestação de grupos sociais no dia anterior.
Os defensores orientaram os quilombolas de que é a Polícia Federal o ente responsável por receber e apurar queixas sobre ameaças ou qualquer tipo de violência sofrida por eles. A última tentativa de intimidação teria acontecido no sábado à noite (3), quando oficiais teriam disparado contra um morador.
Além das agressões, os quilombolas lamentaram sobre a falta de estrutura em que vivem. "Aqui não tem água, a luz é fraca porque é 'gato', feito com fiação de telefone. Já pedimos para ligar e eles [oficiais da Marinha] não deixam. Tem 12 anos que faço o pedido à Coelba. Agora também não temos o que comer, porque eles não deixam plantar mais nada", relatou R.S.S, 33 anos, que nasceu e foi criada no local, assim como sua mãe, M.M.S, 54 anos, e avó, M.S, de 95 anos.
Essa última, que sofre com problemas cardíacos e de insuficiência respiratória, frequentemente tem que sair do local para tratar-se com aparelho inalatório na casa de conhecidos do subúrbio.
O defensor federal Átila Ribeiro Dias, titular do Ofício de Direitos Humanos e Tutela Coletiva (DHTC), comprometeu-se a comunicar os relatos à Polícia Federal, na tentativa de que seja instaurado um inquérito para apurar os fatos. Além disso, Dias pretende oficiar à União para esclarecer exatamente que garantias foram dadas aos quilombolas por membros do governo federal, em reunião no último dia 27 de fevereiro.
Entre as promessas, estaria a garantia de adiamento da reintegração de posse do terreno por mais cinco meses para que fossem realizados estudos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
De acordo com o defensor, "não há que se falar em reintegração de posse nesse momento, uma vez que todos os mandados foram recolhidos com a suspensão do cumprimento em novembro", garantiu.
Marinha rebate acusações
Assim que teve conhecimento da reunião entre defensores públicos e quilombolas, o comandante da Marinha, Marcos Carvalho Costa, convidou a comitiva da DPU e o defensor estadual Gil Braga para uma reunião na sede da Base Naval de Aratu. O comandante fez questão de rebater as denúncias feitas na imprensa, de que a força armada estaria preparada para realizar a reintegração da área.
"Soubemos que haveria a manifestação e, por conta disso, reforçamos a área. Não temos como permitir a entrada de 150 pessoas na comunidade. A PM estava presente na entrada por se tratar de uma manifestação e para garantir a ordem.", afirmou o comandante.
O acesso mais fácil à comunidade se dá pela Vila Militar da Marinha. De acordo com Costa, fotos de tratores foram divulgadas na imprensa dando a entender que a Marinha estava pronta para realizar a operação. Entretanto, segundo ele, as máquinas, estacionadas na estrada que dá acesso à Base Naval, estão sendo utilizadas por empresas para fazer o recapeamento na rodovia. "A Marinha tem a consciência de que não pode fazer essa reintegração", declarou.
Já sobre a denúncia de que militares da Marinha teriam tentado matar um membro da comunidade no último sábado (3), o comandante disse que o disparo teria sido, na verdade, um tiro de advertência feito por oficiais já que dois homens que andavam pela área, aproximadamente às 21h, não atenderam ao pedido de identificação feito à distância pelos militares.
"Fazemos patrulhas corriqueiras nessa área. É uma área aberta, vulnerável. O que me foi relatado foi que um portão estava aberto e as pessoas não se identificaram. Foi então dado um tiro de advertência, um parou e o outro se evadiu. Não vi indício de crime", explicou o comandante, que abrirá uma sindicância para apurar melhor o ocorrido.
Questionado sobre o motivo do interesse da Marinha no terreno, Costa reafirmou a intenção de construir novos alojamentos e centro de treinamento no local, além do desejo de preservar o manancial da Barragem dos Macacos - cuidado que, segundo ele, os quilombolas não têm condição de tomar em virtude das condições em que vivem.
Por fim, o comandante revelou que a Marinha tem a intenção de ceder uma área para assentar os quilombolas, distante cerca de um quilômetro da comunidade. "Na última reunião, eles nem quiseram ouvir a proposta elaborada pela Sedur", concluiu.
Sobre o caso
Acatando pedido da União, em novembro de 2010, o juiz da 10ª Vara da Justiça Federal, Evandro Reimão dos Reis, ordenou o despejo das 34 famílias que vivem no terreno, localizado nas proximidades da Base Naval de Aratu, em Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador. A decisão liminar deu prazo de 120 dias para que os moradores saíssem do local, mas, na época, nem todos foram intimados.
Em abril de 2011, a DPU/BA impetrou um mandado de segurança solicitando a suspensão do processo de despejo, mas o Tribunal Regional Federal da 1ª Região não acolheu o pedido. Em julho, visando ganhar tempo e buscar alternativas que solucionassem a questão, a DPU/BA pediu o adiamento do cumprimento da ordem judicial por 90 dias. A intenção dos órgãos envolvidos no conflito era definir outro local para abrigar os cerca de 300 moradores da comunidade, em caso de real cumprimento da decisão.
Diversos encontros visando discutir as medidas emergenciais que seriam tomadas para amparar os quilombolas foram realizados e reuniram defensores federais e estaduais, membros da Polícia Militar e da Polícia Federal, representantes da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur) e da Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA), além do prefeito de Simões Filho, José Eduardo Alencar.
Uma das ações sugeridas foi a aquisição de um terreno localizado no município de Laje, a 208 km de Simões Filho. Segundo o representante do CDA, o local teria condições para abrigar a maior parte dos membros da comunidade e seus animais de criação, além de permitir a cultura de subsistência. Entretanto, o processo não foi adiante, já que os quilombolas são resistentes à ideia de sair da área onde vivem há várias gerações.
No mesmo período, a defensora federal Juliana Feitoza enviou um ofício à Fundação Cultural Palmares pedindo esclarecimentos quanto à titularização da comunidade como remanescente de quilombo. A resposta veio dois meses mais tarde, com o autorreconhecimento dos membros como quilombolas, feito através da Portaria de Certificação nº 165, publicada no Diário Oficial da União em 4 de outubro de 2011.
A partir dessa primeira etapa, a DPU/BA requereu mais uma vez a suspensão do processo judicial e a intimação do Incra para que o processo de regularização fundiária prosseguisse.
Após a certificação, o magistrado suspendeu a reintegração por 120 dias - prazo que terminou no último domingo, 4 de março. Em reunião realizada no último dia 27 de fevereiro, membros quilombolas teriam recebido a garantia de órgãos ligados à Presidência da República do adiamento da reintegração por mais cinco meses.
O prazo teria sido solicitado para finalizar o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação realizado pelo Incra, que visa apurar detalhes sobre a área e verificar há quanto tempo os quilombolas encontram-se na região.
(Ascom DPU, 07/03/2012)