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2012-03-09 | Rodrigo

No Dia Internacional da Mulher, Rosimeire dos Santos surpreendeu as autoridades que participavam de um seminário promovido pelo governo federal e pela Organização Internacional do Trabalho, em Brasília, ao interromper os discursos dos ministros para denunciar a violência cometida por fuzileiros navais baianos contra o quilombo Rio dos Macacos, na Bahia. Segundo ela, a comunidade vive cercada, sem o direito de plantar, pescar e mesmo acessar a sede do município, para estudar e ter atendimento médico.

Nesta quinta (8), Dia Internacional da Mulher, Rosimeire dos Santos, uma negra de 33 anos, analfabeta, desempregada, moradora do quilombo Rio dos Macacos, em Simão Filho, na grande Salvador (BA), tomou coragem para esquecer sua condição de oprimida e assumir a batalha pelos direitos da sua comunidade.

Ela veio a Brasília (DF) para participar de um seminário promovido pelo governo federal e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Quando se viu frente às diversas autoridades que participavam da mesa de abertura, não resistiu. Se levantou, interrompeu os discursos dos ministros presentes e denunciou, emocionada, a violência sistemática cometida contra a sua comunidade, há 40 anos, pela Marinha do Brasil.

De acordo com ela, o quilombo Rio dos Macacos abriga, há mais de 200 anos, os descendentes dos escravos trazidos para o Brasil para trabalhar na antiga Fazenda dos Macacos, de propriedade de Coriolano Bahia. Após a abolição, eles se estabeleceram no local. Caso, por exemplo, da avó de Olinda dos Santos, de 53 anos, que a acompanha na visita à capital federal.

“Minha avó contava as histórias de como começou o quilombo, muitos anos atrás, antes mesmo que a lei libertasse os negros das senzalas”, contou ela, sacando da bolsa uma fotografia bem antiga da avó, nas terras do Rio dos Macacos. “Lá no quilombo, tem uma idosa, de 111 anos, que foi nascida e criada no local”, acrescenta.

Mas, ainda conforme o relato de Rosimeire, em 1960, a prefeitura de Simão Filho doou a terra à Marinha do Brasil que, uma década depois, expulsou metade das famílias que viviam lá e iniciou a construção de uma vila naval na área. Desde então, os conflitos são constantes. “Primeiro, eles cercaram o rio e nos tiraram o direito de pescar. Depois, cercaram a comunidade e nos proibiram de plantar”, relata.

A área em que está localizada a casa das cerca de 90 famílias que resistem no quilombo foi cercada. Para ir até a sede do município, os moradores precisam passar por guaritas da Marinha, que nem sempre são mantidas abertas.

“Muitas vidas se perderam porque os doentes não podiam passar pelo bloqueio nem para ir ao hospital. Eu mesma faço parte da geração perdida do quilombo, que não pode estudar porque a Marinha não permitia que deixássemos nossas casas. Hoje, ainda enfrento dificuldades para garantir que minhas quatro filhas possam freqüentar a escola”, desabafa.

Olinda, que conseguiu terminar o ensino médio pernoitando na casa de amigos da família que viviam além dos limites impostos pela Marinha, confirma a opressão a que a comunidade é submetida.

Conforme ela, no dia 4/3, fuzileiros atiraram em um dos seus irmãos, um senhor de 61 anos, que tentou furar o bloqueio para ir à cidade. “Felizmente ele escapou, mas ficou muito traumatizado”. E, garante, não foi a primeira vez que a família foi vítima. “Há alguns anos, eles espancaram meu outro irmão”.

“Na verdade, já vi acontecer de tudo naquelas terras: fuzileiro tocar fogo em casa de palha, levar ônibus para recolher os homens que tentavam plantar e até espancarem crianças que tentavam colher jaca no pé. Os fuzileiros dizem que a terra não é nossa e que não podemos transitar nela ”, conta.

Uma ação transitada na 10ª Vara da Justiça Federal reconhece, de fato, que a área pertence à Marinha. E, inclusive, determina o despejo das famílias, que, desde 2010, tem enfrentado ameaças cada vez mais graves dos fuzileiros. No ano passado, um quilombola foi assassinado.

Desde então, o governo federal vem tentando resolver o impasse. Mas a dinâmica da máquina pública é lenta. Só há menos de um ano o quilombo foi reconhecido como tal. E, só agora, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi para a área demarcar as terras originárias da comunidade.

“Desde o reconhecimento do quilombo, nós passamos a intervir para intermediar o diálogo com a Marinha e garantir os direitos dessa comunidade. E conseguimos negociar com a Justiça e com o governo baiano, no mês passado, um prazo de cinco meses para o cumprimento da reintegração de posse. Nossa expectativa é que, nesse período, o Incra conclua a demarcação e a gente consiga reverter o processo”, explicou a secretária de Políticas para Comunidades Tradicionais da Presidência, Silvany Euclênio.

De acordo com a secretária, a Advocacia Geral da União (AGU) assumiu a questão judicial e o governo também está intervindo para garantir que essa comunidade, limitada no seu direito de ir e vir durantes décadas, passe a ter acesso às políticas públicas. “Nós estamos fazendo levantamento de quem tem direito à aposentadoria e às políticas de transferência de renda”, acrescentou. Rosimeire e Olinda confirmam que a pobreza é grande na área.

Impedidos de plantar e até de colher frutas, os membros da comunidade que não conseguem arrumar algum bico em Salvador passam fome. “Há idosos lá que nem sabem o que é aposentadoria”, diz Olinda. “Eu não trabalho, tenho quatro filhas em idade escolar, e não recebo Bolsa Família”, acrescenta Rosimeire.

Apesar dos muitos anos de descrença no poder público, as duas mulheres têm esperanças que a quebra de protocolo durante o seminário possa ser revertida em benefícios para a comunidade. “Nós sabemos que a Marinha não é brincadeira. É um braço armado. E nós somos pequenininhas. Mas, hoje, fomos ouvidas pelos ministros. Será que um juiz pode mais do que a presidenta da república?”, questiona Olinda.

Para ela, este é o momento da comunidade reagir e acabar com a opressão do quilombo. “De tanto sofrimento, não temos mais medo de nada. Sabemos que, se a gente morrer, outros irão nos substituir na luta”, afirma. “Quando a Marinha chegou na área, nós já estávamos lá. Temos prova disso. Há documentos. Não é possível que não seja feito Justiça”, completa Rosimeire.

(Por Najla Passos, Carta Maior, 08/03/2012)


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