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programa nacional do biodiesel biodiesel de soja biodiesel de girassol
2012-03-09

Tese analisa indicadores e impactos proporcionados pelas principais rotas de produção no país

O Brasil iniciou a produção de biodiesel em 2005, ano em que gerou cerca de 700 mil litros do biocombustível. Em 2010, o volume foi ampliado para 2,4 bilhões de litros, número que catapultou o país à condição de segundo maior produtor mundial, atrás da Alemanha. Tese de doutorado apresentada recentemente à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, desenvolvida por Marcelo Pereira da Cunha, avaliou e comparou os impactos e indicadores socioeconômicos e ambientais das principais rotas de produção do biodiesel no país, no referido período. De acordo com o estudo, orientado pelos professores Arnaldo Cesar da Silva Walter e Joaquim José Martins Guilhoto, 96% do biocombustível brasileiro tem como matérias-primas a soja (82%) e o sebo bovino (14%).

“Isso demonstra que o estabelecimento do setor está apoiado nas oportunidades associadas às cadeias produtivas da soja e do abate de bovinos, que estão consolidadas. A participação da agricultura familiar no sistema, uma das premissas do PNPB [Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel] como fator de geração de emprego e renda, tem sido pouca expressiva”, afirma o autor da pesquisa.

Conforme Cunha, que se graduou em engenharia mecânica, foram consideradas na tese cinco rotas de produção de biodiesel: soja (duas), sebo bovino, óleo de algodão e óleo de girassol, sendo este último obtido a partir de uma experiência relacionada com a agricultura familiar. Para promover a avaliação, o pesquisador se valeu de uma metodologia denominada Análise de Insumo-Produto. Assim, ele pôde quantificar os impactos e indicadores relativos à produção setorial, empregos gerados, valor adicionado (PIB), balanço energético e emissões de gases de efeito estufa (GEE). O ano base considerado foi o de 2004, último que antecedeu o início da produção do biocombustível. Em relação a 2004, observa Cunha, os resultados obtidos indicam a necessidade de subsídio à produção do biodiesel, exceto na rota a partir do sebo bovino.

De maneira geral, assinala o engenheiro mecânico, produzir o biocombustível com as matérias-primas atuais custa mais caro do que produzir o diesel mineral. “Aqui, vale uma observação. Cabe à sociedade decidir se vale a pena continuar pagando mais pelo combustível renovável, levando em conta as possíveis vantagens que ele pode proporcionar, como a redução das emissões de gases de efeito estufa e os eventuais benefícios socioeconômicos gerados”, pontua. Em relação às rotas da soja, o autor da tese destaca que o aumento da produção de biodiesel ocorreu sem que houvesse a ampliação da área colhida.

Assim, boa parte do avanço se deu por causa das reduções nas exportações do óleo, que foram convertidos em biocombustível, bem como a um aumento da produtividade da soja em 2010. Ao aplicar o modelo com base nesses dados, Cunha apurou que o corte nas exportações de óleo de soja para a produção de biodiesel não traria vantagens em termos do valor adicionado na economia, visto que o resultado final seria um impacto negativo no PIB.

O mesmo não ocorreria, por exemplo, tomando como premissa a redução nas exportações da soja para a mesma finalidade. Considerando também os coprodutos gerados com o esmagamento do grão para a produção do biodiesel (principalmente farelo), mesmo com a necessidade de subsídios, haveria um benefício econômico de R$ 0,78/l do biocombustível, supondo-se uma produção de biodiesel para substituir toda a importação de óleo diesel mineral em 2004. Já em relação à rota a partir do girassol, baseado no modelo de produção da agricultura familiar, o benefício em um cenário B1 (adição de 1% de biodiesel ao diesel fóssil) seria de R$ 2,22/l.

“Neste caso, porém, é preciso considerar que esse ganho seria à custa de uma remuneração média do fator trabalho 87% inferior à média do país naquele ano (2004)”, adverte Cunha.

Mais empregos, menos renda

No que toca à criação de empregos, o autor da tese diz que o impacto proporcionado pelo PNPB ficou muito abaixo do estimado pelo governo federal na ocasião do lançamento do programa. Principal matéria-prima utilizada para a fabricação do biodiesel no Brasil, a soja é uma cultura muito tecnificada, ou seja, por mais que haja expansão na área cultivada (o que não aconteceu entre 2005 e 2010), a geração de postos de trabalho não é expressiva. O mesmo ocorreu em relação à agricultura familiar, que tem sido pouco aproveitada, como já mencionado.

“Quando se fala de agricultura familiar, é preciso separar as coisas. Neste sentido, quando foi lançado, o PNPB focava principalmente os pequenos produtores do Nordeste, que praticam cultivo de subsistência e têm baixíssimo uso de tecnologia. Acontece, no entanto, que 90% da matéria-prima com selo social utilizada na fabricação do biodiesel vêm de agricultores familiares da região Sul, cuja estrutura produtiva é muito diferente daquela encontrada nas regiões mais carentes do Brasil”, compara o engenheiro mecânico.

Ao analisar a rota de produção a partir do girassol, tendo por base estudo de outro orientado do professor Arnaldo Walter, que gerenciou projeto do qual a Petrobras participou em uma cooperativa de agricultores familiares da região denominada como Território do Mato Grande, no Rio Grande do Norte, Cunha constatou que o indicador de empregos gerados é 15 vezes o da produção de biodiesel advindo da soja.

“Em contrapartida, reforce-se, a renda associada à atividade é 87% menor do que a média brasileira em 2004. Esses resultados trazem à tona as reais possibilidades – e os custos a elas associados – de se fazer com que um programa de produção de biocombustível contribua, de forma significativa, para tirar um contingente expressivo da população da condição de miséria”, considera Cunha.

Ainda sobre a questão do emprego, o pesquisador fez uma comparação acerca de uma hipotética expansão da área cultivada de soja para a produção de biodiesel. A despeito de o setor ser altamente mecanizado, os impactos dessa medida sobre o indicador seriam positivos em comparação à produção do diesel mineral.

“Se pensarmos numa produção de 2 bilhões de litros e levarmos em conta que cada hectare cultivado gera cerca de 500 litros do bicombustível, nós precisaríamos de mais 4 milhões de hectares de terra para atingir a marca projetada. Vale lembrar que essa área é próxima da usada para a plantação de toda a cana utilizada no país para a produção de etanol (em torno de 28 bilhões de litros ao ano). Ocorre que a cana tem um rendimento muito superior ao da soja. Cada hectare de cana gera aproximadamente 7 mil litros de álcool”, compara.

Convertida em números, essa vantagem do biodiesel de soja sobre o diesel de petróleo, no que toca à geração de empregos, pode ser expressa da seguinte forma. Cada terajoule (unidade de energia) de diesel produzido gera 0,25 emprego. Quando considerado o biocombustível a partir da soja, esse número salta para 1,44. “Ou seja, mesmo altamente tecnificada, a produção de soja gera seis vezes o número de postos de trabalho do setor de produção de diesel mineral. Além disso, também contribui de forma mais expressiva com o PIB. Vale lembrar que cada gigajoule de diesel traz um acréscimo de R$ 15,10 ao PIB. Já o biodiesel de soja acrescenta R$ 19,12”.

Em contrapartida, enquanto a remuneração média dos trabalhadores na cadeia associada ao diesel mineral é de R$ 1,7 mil, na do diesel de soja ela cai para R$ 1,2 mil. “Este segundo número é inferior ao primeiro, mas não é ruim, visto que é 36% superior à média da economia brasileira em 2004”, lembra o autor da tese.

Atividade de subsistência

A situação menos favorável fica por conta da remuneração média paga na rota do girassol. Em 2004, ela equivalia a R$ 127, valor inferior ao salário mínimo da época.

“Por outro lado, há que se considerar que esses agricultores praticam uma atividade de subsistência. Assim, para eles, essa renda complementar, mesmo que baixa, pode ser importante. Em economia, é preciso trabalhar também com as questões marginais. De toda forma, é algo para o governo analisar: é exequível e faz sentido usar um programa de energia apoiado em um sistema de agricultura familiar com remunerações tão baixas? Pessoalmente, penso que não. Outro ponto a se pensar é o seguinte: não seria mais apropriado empregar os subsídios destinados à produção de biodiesel de soja – nada contra os produtores do grão – para a produção de alimentos, que geraria mais emprego e renda? Ou, quem sabe ainda, usar parte dos recursos para qualificar os pequenos agricultores, para que cultivem produtos com maior valor adicionado?”, indaga.

Na tese, Cunha também analisou dois indicadores ambientais, relacionados às questões do balanço de energia (produção de energia renovável em relação à energia não renovável) e da redução de emissões de gases de efeito estufa. O primeiro refere-se a um indicador para avaliar o esforço de um país para reduzir a sua dependência de combustíveis derivados de petróleo, visto que boa parte das reservas está concentrada em regiões complicadas em termos geopolíticos. “Para o Brasil, a redução de dependência faz algum sentido, dado que ainda importamos derivados, como o próprio óleo diesel.

Em relação à diminuição da emissão de GEE, não penso que seja um objetivo tão justificável assim. Embora sejamos o quinto país em emissões anuais de GEE, nossa matriz energética é fortemente baseada em fontes renováveis. Ademais, nosso calcanhar de Aquiles não está exatamente na emissão a partir de combustíveis fósseis, mas sim no desmatamento e nas queimadas. Quem tem que se preocupar em reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa a partir da combustão de combustíveis fósseis são, principalmente, os países desenvolvidos”, analisa o engenheiro mecânico.

Publicação
Tese: “Avaliação de impactos e indicadores socioeconômicos e ambientais de rota de produção de biodiesel no Brasil, baseada em análise insumo-produto”
Autor: Marcelo Pereira da Cunha
Orientadores: Arnaldo Cesar da Silva Walter e Joaquim José Martins Guilhoto
Unidade: Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM)

(Por Manuel Alves Filho, Jornal da Unicamp, 05/03/2012)


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