A tragédia ocorrida no Japão em 11 março de 2011 completa um ano e colocou em evidência mais uma vez as grandes questões que ainda não foram respondidas pela área nuclear.
A primeira delas é o alto fator de insegurança na operação de usinas nucleares e os riscos de desastres relacionados a vazamentos de material radioativo, quase que invariavelmente de conseqüências dramáticas, espalhando radioatividade no ar, na terra e na água. A segurança dos reatores nucleares já foi seriamente abalada com os desastres de Three Mile Island (nos Estados Unidos), Chernobyl (na ex-União Soviética) e agora de Fukushima (no Japão).
Com outras tecnologias para produzir eletricidade também podem ocorrer acidentes (como incêndios ou ruptura de barragens em reservatórios de usinas hidroelétricas), mas os acidentes nucleares, devido à liberação de radiação, são infinitamente mais perigosos à vida humana/animal e à natureza.
Este último no Japão mostrou que, mesmo em um país altamente desenvolvido e bem preparado tecnologicamente, com nível científico elevado de seus especialistas, desastres e falhas tecnológicas podem acontecer. Os riscos de acidentes nucleares existem e, quando acontecem, são devastadores. Daí para evitar este risco o caminho é não instalar estas usinas.
Outra questão de caráter econômico é o fato de a eletricidade nuclear ser mais cara que outras formas de produzir eletricidade. A geração nucleoelétrica é uma tecnologia complexa e cara, e que fica ainda mais cara e deixa de ser competitiva em relação a outras fontes de energia devido aos gastos para melhorar o desempenho e a segurança das usinas.
De modo geral, somente empresas estatais constroem reatores nucleares, ou empresas privadas com fortes subsídios governamentais. E aí esta o “nó” para esta indústria que depende enormemente de altos investimentos vindos dos cofres públicos. No Brasil, um reator de 1.300 MW tem seu custo inicial avaliado em 10 bilhões de reais.
E, finalmente, a questão não resolvida de armazenamento do “lixo nuclear”. Nenhum país conseguiu até hoje equacionar definitivamente o problema da destinação dos resíduos perigosos (altamente radioativos) produzidos nas reações nucleares, que em geral se acumulam nas próprias usinas (como em Angra 1 e 2; e projetada para Angra 3).
Estes resíduos continuam ativos por milhares de anos, criando assim também um problema ético, pois a geração presente se beneficia dos serviços prestados pela eletricidade, e acabam legando às gerações futuras os resíduos radioativos.
Diante das evidências, tristemente constatadas em Fukushima no ano passado, envolvendo a emissão de material radioativo para o meio ambiente, provocando a retirada de mais de 100 mil pessoas, ainda resta muito a fazer para acabar de vez com esta tragédia.
O chamado programa de descontaminação iniciado recentemente prevê reabilitar uma área de 20.000 km2 da região mais exposta a precipitação radioativa, e assim possibilitar o retorno das pessoas que de lá foram retiradas. Serão liberados pelo governo japonês 13 bilhões de dólares para esta finalidade. Estima-se que, no caso dos reatores 1,2 e 3, o combustível fundido será retirado em prazo próximo a 25 anos, e que somente depois estas unidades serão desmanteladas (descomissionadas), o que deverá levar mais 15 anos.
Ou seja, as unidades da central de Fukushima Daiichi somente se tornarão um mausoléu definitivo para a posteridade em 2052. Lembrando que todo este trabalho ao longo dos próximos 40 anos será realizado na maioria por operários que trabalharão em ambiente de alta radioatividade.
A catástrofe em território japonês foi um grande exemplo/aviso para o mundo, contribuindo efetivamente para o aumento da desconfiança na indústria nuclear. Como conseqüência, aumentou a rejeição da opinião pública global ao uso da energia nuclear, e vários países entenderam este alarme e anunciaram o cancelamento dos seus programas nucleoelétricos.
Pesquisas de opinião pública realizadas em países que já têm usinas nucleares, o Brasil incluído, indicaram que 69% dos entrevistados rejeitam a construção de novas usinas. No Brasil, 79% dos entrevistados dizem se opor à construção destas usinas.
Não há, portanto, razões para investir mais em energia nuclear no Brasil. Para garantir a segurança energética, o país dispõe de recursos renováveis abundantes e diversos que podem atender a uma demanda eficientizada, sem desperdícios e com geração descentralizada, além da complementariedade entre as diversas fontes energéticas.
(Por Heitor Scalambrini Costa*, Correio da Cidadania, 07/03/2012)
* Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.