Em novo livro, Michael Mann explica como indústria dos combustíveis fósseis e céticos do clima combatem evidências do aquecimento global - e como lutar contra esse lobby expôs o pesquisador a intimidação, abusos e ameaças de morte
“Em uma ocasião, tive que chamar o FBI depois que me foi enviado um envelope com um pó dentro. Acabou sendo farinha de milho, mas, novamente, o objetivo era intimidação. Acabei com fitas de segurança policial por todas as portas e janelas do meu escritório.”
O trecho anterior pode até ter tudo para compor um livro de ficção policial, mas faz parte da vida de um cientista, cujo crime foi apresentar evidências sobre o aquecimento global. “Essa é a vida de um cientista climático hoje nos EUA”, acrescenta Michael Mann, o pesquisador em questão.
Esse e outros episódios de ameaças de morte, restrição de liberdades e leitura de correspondências – dignos de histórias de detetives, agentes secretos ou testemunhas criminais – estão relatados no novo livro de Mann, The Hockey Stick and the Climate Wars (O taco de hóquei e as guerras climáticas), que deve ser publicado no próximo mês.
Na obra, o cientista – diretor do Centro de Ciências do Sistema da Terra da Universidade Estadual da Pensilvânia, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e autor da Teoria do Taco de Hóquei, que ilustra o rápido aumento das temperaturas globais – explica como a indústria dos combustíveis fósseis e os céticos do clima combatem as evidências do aquecimento global.
Segundo Mann, o ceticismo é essencial para que a ciência evolua, mas o pesquisador afirma que a maioria daqueles que negam as mudanças climáticas não o fazem através de provas irrefutáveis e evidências científicas, mas sim baseados em desinformação e até distorcendo dados para desacreditar os cientistas que defendem a hipótese, e que são a maioria.
Um exemplo disso foi o caso que ficou conhecido na mídia como ‘Climategate’, no qual hackers invadiram o sistema de computadores da Unidade de Pesquisa Climática da Universidade de East Anglia, roubando milhares de e-mails de pesquisadores climáticos.
Os hackers divulgaram trechos destes e-mails, que fora de contexto e/ou distorcidos, pareciam mostrar que os cientistas manipulavam dados para comprovar o aquecimento global. Entre os e-mails roubados, havia material de Mann.
Apesar da polêmica criada e da repercussão negativa que o caso teve para a ciência climática, investigações posteriores feitas pelo Parlamento Britânico e por comissões independentes revelaram que não havia evidências de má-fé nas práticas dos pesquisadores.
De acordo com Mann, outra tática usada pelos céticos para desacreditar a ciência climática é o que ele chama de “estratégia de Serengeti”: atacar particularmente uma teoria ou cientista climático visando desmoralizar o todo, “como os leões, caçando a zebra mais fraca na savana”.
O pesquisador e sua teoria do taco de hóquei foram um dos alvos dessa estratégia: por sustentar a hipótese do aquecimento global antropogênico, Mann ficou sujeito a ataques pessoais, ele e sua família foram ameaçados, sofreu investigações do Congresso norte-americano – principalmente por parte dos Republicanos – em uma tentativa de ter seu trabalho desacreditado, entre outras retaliações.
“O problema é que o gráfico do taco de hóquei se tornou um ícone e os negadores consideraram que se eles conseguissem esmagar o ícone, todo o conceito de aquecimento global seria destruído com ele. Derrubando Mike Mann nós podemos derrubar o IPCC, eles consideraram”, explica o cientista.
“É uma técnica clássica do movimento dos negadores, descobri, e eu não quero dizer apenas aqueles que rejeitam a ideia do aquecimento global, mas aqueles que insistem que fumar não causa câncer ou que a poluição industrial não está ligada à chuva ácida”, completa.
Apesar das dificuldades que enfrenta para defender sua pesquisa, Mann afirma que não pensa em abrir mão de seu trabalho, e pretende continuar combatendo o lobby anti-climático juntamente com outros cientistas.
“Algo está diferente agora. As forças do ceticismo das mudanças climáticas, acredito, despertaram um ‘gigante adormecido’. Meus colegas cientistas reagirão, e estou ansioso para me juntar a eles nessa batalha”, conclui.
(Por Jéssica Lipinski, Instituto CarbonoBrasil, 05/03/2012)