Deputado quer mudar 20 pontos do projeto aprovado pelo Senado em dezembro. Entre as alterações, há a previsão da liberação do desmatamento em encostas para atividades de pastoreio
O relator do Código Florestal na Câmara, Paulo Piau (PMDB-MG), concluiu ontem sua proposta para a nova lei, alterando 20 itens em relação ao texto que foi aprovado no Senado em dezembro.
Pelo menos dois pontos importantes para os ruralistas devem constar do parecer. Um deles é a supressão de artigo que estabelece como princípios do código a proteção das florestas e o combate às mudanças do clima.
Os ruralistas não aceitam que a lei contenha princípios que, argumentam, seriam prejudiciais a eles em caso de dúvida na Justiça.
Querem retornar ao texto original da Câmara, que converte o Código Florestal em uma lei que, basicamente, disciplina a produção agropecuária.
O relatório de Piau também permitirá o desmatamento em encostas (de 25° a 45° de inclinação) para o pastoreio. O texto do Senado libera as ocupações existentes nessas áreas, mas veda as futuras.
Preservação
O ponto mais polêmico da reforma, porém, pode ficar de fora do parecer: a chamada emenda 164 da Câmara, de autoria do próprio Piau, que anistiava desmatamentos em APPs, que são as áreas de preservação permanente, como topos de morro, encostas e margens de rios.
Os ruralistas insistem em deixar de fora do texto do código qualquer obrigação de recomposição dessas áreas, o que seria definido depois pelos Estados.
O texto do Senado determina a recomposição. Piau afirma que o teor da emenda 164 permeia o texto do Senado, e que reeditá-la na Câmara é "mexer num negócio explosivo sem muito ganho para a produção". Ontem à noite ele discutiu parte do seu texto com a bancada ruralista.
A votação do projeto deveria começar hoje no plenário. O governo, porém, manobrava para adiá-la, temendo uma derrota para os ruralistas da própria base. Se ele for aprovado, o texto vai para a sanção presidencial.
Hoje o ministro Mendes Ribeiro (Agricultura) deve encontrar-se com Piau para formalizar o pedido de adiamento. "Não é uma semana a mais ou a menos que vai atrapalhar", afirmou o deputado.
O Planalto considera que não é possível votar o código sem que haja um consenso na base em torno do texto aprovado no Senado. Para o governo, o texto dos senadores é o melhor entendimento possível sobre a reforma no código. Argumenta que ele foi negociado linha por linha com os deputados.
Já os ruralistas negaram acordo e insistiam na proposta de mexer em 66 itens do texto do Senado. "Vamos ver quem tem voto", disse Valdir Colatto (PMDB-SC).
ONGs acusam governo de retrocesso na área ambiental
Um grupo de entidades de proteção ao meio ambiente divulga hoje manifesto no qual acusa o governo Dilma Rousseff de promover o maior retrocesso na agenda ambiental desde o final da ditadura militar (1964-1985).
Puxada pela reformulação do Código Florestal, a lista de problemas apontados pelas ONGs inclui a interrupção da criação de unidades de conservação ambiental e a redução de áreas de preservação.
O texto será divulgado em São Paulo, e deve contar com a presença da ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Durante o governo Lula, Marina travou disputa interna com a então colega Dilma Rousseff (que ocupou Minas e Energia e Casa Civil) em temas ambientais.
O grupo de ONGs -que reúne algumas das maiores que atuam com a causa verde- critica, entre outras coisas, a diminuição de poderes de órgãos como o Ibama (instituto brasileiro do meio ambiente).
"Desde a ditadura, nunca se fez tão pouco em termos de preservação ambiental, demarcação de terras indígenas, áreas quilombolas, saneamento", diz Márcio Santilli, ex-presidente da Funai e sócio-fundador do ISA (Instituto Socioambiental).
Para as ONGs, o Brasil passará por "constrangimento" na Rio+20, a Conferência da ONU para debater desenvolvimento sustentável, que ocorre no Brasil em junho.
Segundo André Lima, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e ex-diretor do Ministério do Meio Ambiente na gestão Lula, o atual governo está desconstruindo os avanços socioambientais conquistados em quase três décadas. "Estudos do Ipam mostram que a presença do Ibama é determinante para contenção do desmatamento."
Para Paulo Barreto, da ONG Imazon, governos anteriores "sempre barravam iniciativas do Congresso que atentavam contra o meio ambiente", o que não ocorreria agora.
O presidente da fundação SOS Mata Atlântica, Roberto Klabin, diz que o manifesto representa uma verdadeira iniciativa de oposição fora do quadro partidário.
(Por Claudio Angelo, Márcio Falcão, Maria Clara Cabral e Uirá Machado, Folha de S. Paulo, 06/03/2012)