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terras indígenas demarcação de terras política indigenista
2012-03-01 | Rodrigo

Há mais de dez anos tramitam no Senado e na Câmara duas Propostas de Emendas à Constituição (PEC) que visam compartilhar com o Poder Legislativo a decisão sobre quais áreas poderão se tornar reservas indígenas.

Os projetos estavam parados no Congresso até 2008, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A decisão reavivou as PECs 38 e 215, ambas de autoria de parlamentares roraimenses.

Qualificadas como “extremamente danosas aos povos indígenas”, pelo secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto, as PECs causam arrepedios em defensores dos direitos indígenas. “Se a proposta for aprovada, representará um passo atrás na luta desses povos”, afirma Sarah Shenker, da ONG Survival International.

Na Câmara, o projeto é de autoria do ex-deputado Almir Sá (do então PPB de Roraima). Hoje o responsável pelo texto é o deputado paranaense Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da PEC 215 (2000) na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania da Câmara – segundo quem “não há o que temer”. Para ele, a PEC 215 respeita o pacto Federativo e dá mais participação aos estados no que se refere à questão indígena.

“Após o episódio Raposa Serra do Sol, o STF determinou que os estados devem possuir maior participação nas questões de demarcação de terras indígenas. E o que a PEC 215 propõe é que a participação dos estados se dê no Congresso Nacional, por meio dos senadores e deputados federais”, diz Serraglio.

No entanto, para Buzatto, a PEC se aproveita de uma brecha interpretativa da decisão. Segundo ele, a decisão diz respeito aos procedimentos de identificação e demarcação de terras indígenas, não ao direito de decidir sobre as demarcações.

“O STF quer uma participação maior dos estados e municípios nos Grupos de Trabalho que desenvolvem os relatórios sobre as potenciais reservas”, rebate. “Sugerir que os estados interferissem na decisão demarcatória iria contra o que a Constituição estipula”.

Meio caminho andado…
Concomitantemente no Senado corre a PEC 38 (1999), de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). A proposta, além de submeter às demarcações de reservas indígenas à aprovação privativa do Senado, também estipula que as demarcações ou unidades de conservação ambiental não excedam 30% do território dos estados.

Esse limite percentual por estado, de acordo com a Survival, é anticonstitucional. “O artigo 231 da constituição brasileira diz que os índios do Brasil têm os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, diz Sarah Shenker, responsável pelas ações da ONG no Brasil.

Em entrevista a Carta Capital, o senador Mozarildo Cavalcanti admitiu que antes de ir à votação no Senado a proposta poderia perder o inciso que limita as áreas protegidas pela União. Contudo, disse que é preciso que o Senado ganhe o direito de decidir sobre as demarcações.

“De acordo com a constituição cabe à União decidir sobre as demarcações. E a União é formada pelos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Além disso, nós estamos em uma Federação. A demarcação significa confisco de terra dos estados, e quem representa os estados é o Senado, por isso devemos ser consultados”, argumenta.

Ao ser questionado sobre a sua proposta representar um retrocesso para os direitos indígenas, conforme os argumentos dos ativistas, o senador roraimense defende que “as demarcações de reservas indígenas já eram para ter acabado em 1993, prazo máximo estabelecido pela Constituição Federal, e a cada dia surgem mais pedidos que vão reduzindo as áreas dos estados. Hoje, 14% do território brasileiro já é reserva indígena”.

Máquina de desinformação
De acordo com o jornalista e pesquisador do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP, Spensy Pimentel, dados do percentual de terras indígenas no território brasileiro devem ser corretamente analisados. Segundo ele, a bancada ruralista e setores ligados ao agronegócio do Senado propagam um falso discurso de “muita terra para pouco índio”.

“Cerca de 98% das terras demarcadas estão na Amazônia legal e menos de 2% no restante do país. Isso se reflete nas reinvindicações e conflitos indígenas, que se concentram no Centro-Oeste e Sudeste e Nordeste do País”, afirma Pimentel.

Para ele, mudanças na legislação, como a indenização a proprietários de terras que serão demarcadas, devem ser feitas, mas sem se alterar a Constituição Federal. “No Mato Grosso do Sul, por exemplo, será muito difícil demarcar terras indígenas sem indenizar os produtores locais, que estão instalados lá há décadas e são um produto de frentes de colonização incentivadas pelo próprio governo, no período da ditadura militar”, relembra.

Lentidão governamental: tem motivo?
Durante os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, foram concedidas 80 homologações de reservas indígenas. No entanto, em seu último ano de governo, Lula homologou apenas duas áreas, enquanto a presidente Dilma Rousseff contemplou apenas três áreas.

“Acreditamos que tem havido por parte do governo uma retranca mais aguda. O governo não faz frente aos setores do Congresso – como a bancada ruralista, o agronegócio e representantes as empresas do setor energético – que enxergam as reservas indígenas como um empecilho”, diz Buzatto.

Nos dois últimos anos, o governo gastou em torno de 29 milhões de reais na demarcação e regularização das terras indígenas, quantia considerada muito baixa pelo secretário-executivo do Cimi. “Esse valor demonstra a inoperância do governo e sua falta de interesse com a causa indígena”, diz.

Hoje, 335 pedidos por demarcação de terras indígenas seguem em processo de aprovação, enquanto 348 ainda esperam alguma previdência da Fundação Nacional do índio (Funai) para a abertura do processo.

Os processos que estão mais tempo travados na burocracia do governo são os referentes às regiões Sul, Sudeste e Nordeste do País, segundo o CIMI.

(Por Marcelo Pellegrini, CartaCapital, 22/02/2012)


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