Faltando menos de um mês para a décima nona celebração do Dia Mundial da Água (22 de março), notícias percorrem o mundo indicando que a humanidade avança na contramão dos repetidos alertas. Relatórios e estudos recentes comprovam que os riscos hoje envolvem um perigoso mix de fatores sociais, ambientais e econômicos.
Na China, por exemplo, autoridades admitiram em fevereiro que dois terços das cidades do país enfrentam a falta de água, e que o problema tem piorado "dia após dia". Isto fora os 300 milhões de pessoas da área rural que seguem sem acesso à água potável de qualidade.
Durante a coletiva de imprensa, o vice-ministro dos Recursos Hídricos da China, Hu Siyi, acrescentou ainda que, além da falta de água, os maiores desafios dos chineses para o futuro são: baixa eficiência dos sistemas de abastecimento, explosão da demanda devido ao crescimento econômico e a poluição que se alastra rapidamente.
Mesmo que o governo consiga cumprir a promessa de investir 600 bilhões de dólares na próxima década, será difícil eliminar a maior parte dos problemas com a água, sem antes equacionar antigas questões. A poluição é a maior delas.
Destaque para o emblemático derramamento de metal pesado na província de Guangxi no início de 2012. Encoberto pelas autoridades locais, o vazamento de cadmium de uma fábrica de pilhas e baterias só veio à tona quando mais de 300 quilômetros de rios e riachos já estavam contaminados. Vale notar que o problema com esse mesmo metal tóxico é recorrente.
Ganância geral
Mas se as dimensões dos problemas hídricos da China são proporcionais à sua sede por dinheiro, o mesmo vale para países ricos. Na Alemanha, terra dos bancos sólidos e da engenharia infalível, um boletim da onipotente Agência Ambiental Federal (Umweltbundesamt - UBA) atesta o risco não dimensionado da presença crescente de resíduos de medicamentos e produtos químicos na água.
Publicado no início de fevereiro, o texto é baseado em uma série de estudos, publicações, workshops e sugestões de especialistas sobre o problema.
Na Alemanha ele é acompanhado pela UBA desde 1998. Mas apesar dos anos de experiência, nada indica que a questão esteja sob controle. "Não existe até o momento um monitoramento sistemático das concentrações desses químicos no meio ambiente", admite a agência em seu boletim.
O que se sabe por amostragem é que a presença de químicos nos corpos d'água vem aumentando, e que até agora faltam informações sobre o impacto dessas substâncias na natureza e na saúde humana.
Os próprios técnicos da entidade defendem uma mudança nessa política. Eles propõem inclusive, que a aprovação de medicamentos esteja acoplada ao monitoramento sistemático da sua concentração e impacto no meio ambiente. Quando isso se tornará realidade? Ao que tudo indica, vai depender mais do risco econômico do que do ambiental.
Extremos climáticos
E no Brasil, será que o cenário muda? Parece que sim. Por razões óbvias, como a defasagem e falta de sistemas de abastecimento e tratamento de esgoto, a questão da água no Brasil continua atrelada aos desejos de São Pedro. Sua falta ou excesso comandam a pauta.
Poluição, contaminação, degradação da qualidade? Isso segue como uma discussão inalcançável e utópica no momento. Afinal, os brasileiros foram abençoados com a maior quantidade per capita de recursos hídricos do mundo. Mesmo assim, apanham até na hora de se organizar com os ciclos climáticos sazonais.
A reportagem de Lúcio Flávio Pinto sobre a praticamente ignorada inundação que assola o Acre é um bom exemplo do despreparo do Brasil para lidar com as questões mais elementares envolvendo esse recurso.
"Ir — em menos de um ano — de um extremo de estiagem a outro extremo de inundação dá uma medida do que é a Amazônia, região configurada pela maior bacia hidrográfica do planeta. O elemento definidor dessa paisagem é a água. Não "a água" genericamente falando, como cenário decorativo. É a água enquanto protagonista. É assim há milênios", escreve ele.
A idéia que passa é que precisaremos ainda de milhares de anos para colocar de fato o "líquido da vida" no seu devido lugar. Como bem público e universal. Ou como questão de segurança alimentar, tema principal do website criado pela FAO e a secretaria de recursos hídricos da ONU para celebrar o 22 de março.
(Por Mariano Senna da Costa, Ambiente JÁ, 01/03/2012)