Uma reportagem publicada no último mês no jornal inglês The Guardian relata o drama de uma região da Índia que no passado foi intensamente pulverizada com o herbicida endossulfam e hoje tem 50% dos domicílios com um adulto ou uma criança sofrendo severas deficiências.
Nos anos 1980 e 1990 helicópteros eram frequentemente vistos sobre os distritos de Kasagod, no estado de Kerala, e de Dakshina Kannada, em Karnataka. Duas ou três vezes por ano eles voavam baixo para pulverizar agrotóxicos em pomares de caju plantados em áreas recém-desmatadas.
Havia cerca de 60 comunidades ao redor das plantações, que produziam castanhas para o mercado indiano e para exportação. A maioria dos moradores da região nunca tinha visto um helicóptero antes, mas logo eles se acostumaram às pulverizações.
Ao longo dos anos 1980, médicos que visitam as regiões começaram a notar uma variedade de problemas de saúde nos moradores, particularmente entre as crianças, e começaram a suspeitar que o endossulfam fosse o culpado.
Estudos subsequentes (contestados pelas indústrias) ligaram o endossulfam a danos ao sistema nervoso central e a alterações hormonais em mães e bebês.
Quando os pesquisadores compararam crianças e adolescentes de vilarejos onde o endossulfam havia sido pulverizado com populações de lugares onde o agrotóxico não havia sido utilizado no período recente, descobriram que nos locais pulverizados havia níveis muito maiores de reclamações envolvendo problemas de pele, epilepsia e paralisia cerebral.
O Dr. Ravindranath Shanbhag, farmacêutico de 61 anos que foi um dos primeiros a observar o problema e a demandar a proibição do Endossulfam, disse ao Guardian que cerca de 6 mil pessoas foram afetadas no norte de Kerala e no sul de Karnataka.
“Os fabricantes dizem que as preocupações sobre saúde não passam de propaganda espalhada por empresas dos países ricos que querem que as nações em desenvolvimento passem a utilizar produtos mais novos e mais caros e sobre os quais elas ainda detêm os direitos de patente”, explicou Shanbhag. “Mas eu sei a verdade. Eu estive vendo tudo com meus próprios olhos por muitos anos.”
Há muitas evidências empíricas também. Chandika Rai é mãe de Kaushiq, um menino de onze anos que sofre de séria deficiência cerebral. Rai conta que, assim como muitas outras mulheres, esteve exposta a intensa pulverização aérea de endossulfam ao longo de sua gravidez. “Eu via os helicópteros, nós moramos quase dentro da plantação. Mas eu nunca pensei que elas poderiam prejudicar o meu bebê”, diz ela.
No último ano testes encontraram altos níveis de endossulfam ainda no solo e o Dr. Shanbhag teme que dezenas de milhares de crianças ainda por nascer possam ser prejudicadas, e que mais problemas venham com as futuras gerações: “Há centenas de milhares de pessoas agora atingindo a idade adulta que foram expostas ao agrotóxico. O que acontecerá com as crianças que elas planejam ter? Nós simplesmente não sabemos”.
O peso financeiro que as vítimas representam para as suas famílias também é significante. Muitas famílias já são pobres, frequentemente trabalhadores braçais que ganham menos de 8 dólares por dia, quando há trabalho.
Ramesh Kartagea, por exemplo, tem 28 anos, é seriamente incapacitado e é cuidado por sua mãe e duas irmãs. Seu pai trabalha na lavoura e as mulheres são costureiras. A família foi obrigada a vender sua pequena casa para pagar as despesas médicas.
Em setembro último a Suprema Corte da Índia manteve a proibição ao uso do endosulfam, decretada no início de 2011, rejeitando os argumentos de dezenas de fabricantes, que dizem que não há ligação entre o agrotóxico e os problemas de saúde verificados em Kerala e Karnataka.
Os juízes, entretanto, permitiram que as empresas indianas vendam seus estoques de endossulfam para outros países – os poucos onde o produto ainda é permitido.
Familiares das vítimas do endossulfam comemoraram a proibição, mas ressaltam que há muitas pessoas já sofrendo os efeitos do produto.
No Brasil, a Anvisa publicou, em agosto de 2010, a Resolução-RDC nº 28, que determinou o banimento faseado do endossulfam: proibição da importação a partir de 2011, proibição da fabricação em território nacional a partir de 31 de julho de 2012 e proibição da comercialização e do uso (somente) a partir de 31 de julho de 2013.
Essa foi a solução encontrada para que os fabricantes pudessem escoar todos os seus estoques do veneno, evitando prejuízos. Em outras palavras, a saúde de muitas pessoas é mantida sob risco para preservar as finanças das empresas veneneiras.
(Caros Amigos / MST, 24/02/2012)