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2012-02-23 | Rodrigo

Pesquisadores e jornalistas canadenses afirmam que administração do país dificulta contato entre os estudiosos do governo e a mídia, inibindo a divulgação de informações relacionadas aos perigos do aquecimento global

Quando falamos em países que censuram informação e conhecimento, costumamos pensar logo em algumas nações do mundo emergente, onde a falta de democracia permite que isso ocorra, mas tal censura pode estar acontecendo mesmo em países considerados democráticos.

Na última semana, pesquisadores e jornalistas canadenses, reunidos em um encontro em Vancouver, declararam que o governo do país está censurando a ciência e a mídia em relação às mudanças climáticas, dificultando a exposição de argumentos que confirmem os riscos do aquecimento global.

De acordo com os cientistas, a administração do país vem colocando obstáculos na comunicação entre os estudiosos do governo e a mídia no que se refere às mudanças climáticas, principalmente após o conservador Stephen Harper, primeiro-ministro do Canadá, impor políticas restritivas à mídia logo depois que foi eleito, em 2008. Segundo documentos internos do governo, desde então a cobertura da mídia sobre mudanças climáticas caiu 80%.

“O público canadense não sabe tanto quanto poderia sobre ciência e mudanças climáticas. Quanto mais controversa é a história, menos provável é que você consiga falar com os cientistas”, observou Margareth Munro, jornalista científica da agência de notícias Postmedia News.

“Você tem um governo que está microgerindo a mensagem, obsessivamente. O Escritório do Conselho Privado [que trabalha para o primeiro-ministro] parece vetar tudo que sai na mídia”, acrescentou Munro.

Embora não esteja ligado às mudanças climáticas, um dos casos mais emblemáticos do problema foi o da pesquisa da cientista governamental Kristi Miller, que em 2011 publicou um trabalho sobre o declínio da população de salmão no Oeste canadense no jornal Science. O estudo da pesquisadora indicava que tal declínio estava ligado a um vírus associado ao câncer.

O assunto acabou gerando muita polêmica, e muitos representantes da mídia tentaram entrar em contato com Miller. No entanto, o governo recusou todos os pedidos de entrevista à cientista, alegando que ela estava respondendo a um inquérito judicial sobre a questão das populações de salmão.

“É inaceitável que o público canadense permita que o acesso à ciência que eles estão financiando seja negado a eles. A única informação que está sendo dada é a que o governo quer, que então permitirá o apoio a uma agenda particular”, enfatizou Andrew Weaver, cientista climático na Universidade de Victoria.

Em uma carta aberta ao primeiro-ministro, a Federação Mundial de Jornalistas Científicos declarou que apesar das promessas de transparência, os cientistas governamentais continuam “amordaçados”, e que os esforços para resolver essa questão foram ignorados. “Os canadenses têm o direito [...] ao acesso irrestrito ao conhecimento de cientistas financiados pelo público”, finalizou o documento.

Caso Heartland
Mas o encobrimento de informações relacionadas às mudanças climáticas e a desconsideração do conhecimento em questões ambientais não são exclusividade do Canadá.

Na última semana, um caso chamou a atenção da comunidade científica mundial: a publicação de e-mails confidenciais que sugere que o Instituto Heartland, uma das organizações dos EUA mais ativas na contestação das mudanças climáticas, é financiado pela indústria de combustíveis fósseis para desacreditar a tese do aquecimento global e minimizar as consequências do fenômeno.

Os documentos, supostamente do instituto, revelam que eram desenvolvidas diversas estratégias para negar a teoria, inclusive um plano para levar teses contrárias às escolas. Mas se a acusação é grave, a forma de obtenção de tal material também pode ser questionada: os e-mails foram conseguidos por Peter Gleick, do Instituto do Pacífico, que utilizou um nome falso para obtê-los.

Nesta segunda-feira (20), Gleick admitiu ter lançado mão desse meio para conseguir os documentos e se mostrou arrependido do feito, o que gerou polêmica sobre a falta de ética da ação e até mesmo sobre a legitimidade do material.

“O crime de Gleick foi sério. Os documentos que ele admite ter roubado continham informações pessoais sobre membros, doadores e aliados de Heartland, e a publicação do material violou a privacidade e colocou em perigo a segurança pessoal deles”, comentou o instituto em uma declaração.

Alguns, porém, defenderam o cientista. “Se você acredita que seu trabalho importa para o mundo, e você acredita que o clima está mudando devido às atividades humanas, como praticamente todos os cientistas acreditam, você tem que comunicar isso ao público”, argumentou Naomi Oreskes, geóloga e especialista em história da ciência da Universidade da Califórnia.

Apesar disso, Oreskes reconheceu que é necessário se manter ético na defesa de suas crenças. “É fácil ficar chateado, ficar bravo, ficar frustrado, mas todos sabemos que estes não são os melhores motivos para essa resposta”, concluiu.

(Por Jéssica Lipinski, Instituto CarbonoBrasil, 22/02/2012)


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