Grandes obras de planejamento urbano destituídas de uma política fundiária para conter a especulação imobiliária resultam na expulsão dos mais pobres. “Projetos urbanos, projetos viários e crescimento que, em tese, seriam positivos, têm como conseqüência a expulsão dos mais pobres, não somente por via direta (como remoções de ocupação), mas também indireta, (preços e custo de vida)”, diz Nabil Bonduki, secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente
O crescimento acelerado da economia e os investimentos feitos na área imobiliária, inclusive os feitos pelo governo federal para as classes de menor renda, tiveram também seu efeito colateral, segundo análise do secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Nabil Georges Bonduki, professor-doutor em assuntos de Habitação Urbana pela FAU-USP: uma alta valorização da terra urbana, que acabam provocando uma forte especulação imobiliária e anulando os efeitos de políticas habitacionais para a população de baixa renda.
“O país voltou a crescer, voltou a investir em áreas importantes, transporte e outras coisas, inclusive habitação. Urbanização das favelas é um bom exemplo. O que acabou acontecendo, no entanto, foi uma valorização exagerada da terra e as políticas habitacionais, embora com recursos, acabaram por não responder as necessidades”, afirma Bonduki.
Grandes obras de planejamento urbano destituídas de uma política fundiária para conter a especulação imobiliária resultam na expulsão dos mais pobres. “Projetos urbanos, projetos viários e crescimento que, em tese, seriam positivos, têm como conseqüência a expulsão dos mais pobres, não somente por via direta (como remoções de ocupação), mas também indireta, (preços e custo de vida)”, diz Nabil Bonduki. “A procura de terras por pessoas de renda mais alta, criou uma dificuldade de atender a demanda popular”, conclui.
Acontecimentos como os incêndios de favelas em São Paulo são colocados pelo professor como resultado de uma disputa por terras no mercado imobiliário. “O problema de habitação na cidade de São Paulo se agrava por conta do tamanho da cidade e indisponibilidade de terra, sem contar superaquecimento do mercado imobiliário”, afirma. Programas federais acabam não respondendo ao déficit habitacional específico da maior capital do país, pois a cidade convive com particularidades que devem ser levadas em consideração na procura de saídas.
“Por exemplo, o programa Minha Casa, Minha Vida, em outras cidades, acaba localizando os conjuntos na periferia; em São Paulo, isso fica mais difícil. Aqui tem o problema dos mananciais, das grandes distâncias e de uma disputa da terra para habitação da periferia com condomínios fechados”.
Frente às especificidades da cidade, o governo tucano não tomou medidas de política urbana. Seria fundamental, na opinião de Bonduki, a participação municipal para a regulamentação do uso do solo paulistano. “No fundo, quando falamos política fundiária, claro que o governo federal tem um papel, mas o principal é o município, é ele quem regulamenta o uso do solo da cidade”
Na cidade de São Paulo, a partir de 2005, a gestão tucana retrocedeu em relação a certos avanços na área da Habitação obtidos em administrações anteriores, como, por exemplo, no Programa de Reabilitação da Área Central, coerente com o então Plano Diretor Estratégico. O Conselho Municipal de Habitação, instituído por lei de 2002, da administração Marta Suplicy, perdeu sua eficácia quando o governo do PSDB conseguiu maioria de seus integrantes.
“De uma maneira geral, eu diria que ele [Conselho] está esvaziado como fórum de decisão, nada efetivamente importante passa por ele. Isto faz com que o Conselho deixe de ser um espaço de controle social e participação” critica Bonduki. Já em relação ao Plano Diretor Estratégico, o professor faz fortes críticas ao atual governo municipal, “muitos instrumentos que o PDE previa não foram implementados.”
As secretarias de Habitação e Planejamento são fundamentais para efetivação de um projeto inteligente de habitação que, segundo o professor, “poderiam, de maneira mais forte, ter implementado os instrumentos urbanísticos. O IPTU progressivo para os terrenos vazios demorou, foi alcançado pela Câmara e não pelo Executivo, e ainda restrito só a Área Central”.
Ele ainda alerta que houve mudanças substanciais na conjuntura que devem fazer rever o projeto: “Este quadro novo, de mais investimentos gerais na cidade, em habitação, financiamento, é um quadro muito diferente do de 2002, quando foi feito o PDE. O programa deve ser aprofundado naquilo que propôs: em regras pra conter a valorização das terras da cidade e pensar as leis em função do processo de investimentos que serão feitos agora na cidade”.
O professor pensa em uma contabilização conjunta nos orçamentos de obras que se levantam na cidade paulistana. “É necessário um plano de orçamento em Habitação da própria obra”. Com o crescente investimento em grandes obras na cidade, o professor sugere um cálculo previsto para atender às demandas de habitação, crucial para que o avanço e melhoria do espaço urbano, não seja um fator para expulsão dos mais pobres.
O problema da especulação acontece à revelia da vontade pública, mas é na vontade pública e no seu plano de governo que reside mecanismos de regulação e controle do valor abusivo do solo paulistano, concluiu o urbanista.
(Por Caio Sarack, Carta Maior, 14/02/2012)