Construção de hidrelétricas em países amazônicos, com financiamento do BNDES, é plano B para atrasos. Preço da energia gerada no Peru seria um terço menor do que a brasileira; Eletrobras faria conexão regional
O governo brasileiro criou um "plano B" para ampliar a oferta de energia. Para isso, está acelerando um projeto de integração com os países vizinhos, onde pretende construir hidrelétricas conectadas ao Brasil.
O principal projeto é com o Peru. A Folha apurou que o acordo binacional com o país está prestes a ser enviado ao Congresso Nacional (nos dois países).
Também avançaram as negociações com Uruguai, Argentina, Bolívia e Venezuela para novos empreendimentos (não somente hidrelétricas). Colômbia, Guiana e Suriname mantêm conversas.
Além do governo federal, a Eletrobras é outro pivô desse programa, que também contará com o setor privado.
Só a Eletrobras pretende acrescentar 18 GW ao sistema com unidades no exterior até 2020. A quantia representa quase um terço do que o Brasil precisa até lá. Essas usinas estarão interligadas por 10 mil quilômetros de cabos.
Ao romper as fronteiras, o Brasil tenta ampliar a margem de segurança para o fornecimento interno de energia no futuro, já prevendo atrasos no cronograma das hidrelétricas que serão implantadas em território nacional.
Estimativas do governo mostram que, para atender ao crescimento da demanda, será preciso acrescentar 70 GW de capacidade de geração de energia até 2020.
Segundo o secretário de Planejamento Energético do Ministério das Minas e Energia, Altino Ventura, os projetos do próprio governo no exterior responderão por um "acréscimo marginal".
Mas, somando com os projetos da Eletrobras e da iniciativa privada que preveem interconexão com o sistema elétrico brasileiro, haveria um aumento de capacidade de quase 30 GW -mais que o dobro de Belo Monte, a maior hidrelétrica em construção, no rio Xingu (PA).
Juntas, essas obras consumirão recursos de pelo menos R$ 58 bilhões e o BNDES poderá financiar a totalidade desses empreendimentos, desde que sejam controlados por empresas nacionais.
Energia mais barata
Outro motivo que estimula o governo brasileiro é o custo futuro da energia. Atualmente, não há mais rios no país com potencial para geradoras do porte de Belo Monte, que produziriam energia a preço baixo.
No Peru, onde o potencial hídrico é praticamente inexplorado, o MWh de energia gerada por Inambari custaria US$ 52. Em Cachuela Esperanza, na Bolívia, sairia por US$ 58. Caso fossem implantadas no Brasil, o MWh custaria US$ 77, segundo projeções da consultoria PSR.
A Folha apurou que, por isso, o governo quer importar em cotas que variam de 70% a 80% da energia produzida pelos vizinhos. A maioria dos grandes empreendimentos em andamento ou estudo fica nos países da região amazônica -Peru, Bolívia, Colômbia, Guiana, Suriname e Venezuela.
O Peru é o alvo prioritário porque tem uma demanda baixa de energia e responde por 14% do potencial hídrico da América Latina. A primeira fase do programa com o governo peruano prevê seis usinas com capacidade de gerar 22 GW, quase duas Belo Monte. O investimento é de US$ 16 bilhões.
Apesar do foco na Amazônia, outros países atraem. Na Argentina, o governo constrói uma usina binacional de US$ 4,8 bilhões. Na Bolívia, estuda-se a construção de outra obra binacional.
Protesto contra "imperialismo" é obstáculo à expansão
Embora os países com os quais o Brasil negocia sejam favoráveis ao "compartilhamento energético", organizações de defesa de direitos civis nesses países acusam o Brasil de "imperialismo".
As maiores frentes de resistência estão no Peru, onde o governo teve de retirar uma cláusula do projeto que será enviado ao Congresso, prevendo que o Brasil importaria quase toda a energia gerada pela usina de Inambari, nos primeiros anos.
Agora, o Brasil ficará com um terço e com a opção de importar mais caso não haja demanda interna no Peru.
Para a mudança, as comunidades locais fizeram protestos coordenados. A DAR (Derecho Ambiente e Recursos Naturales), por exemplo, chegou a imprimir "contas de luz" com um alerta: "Racionem energia porque estamos abastecendo os consumidores brasileiros".
A pressão surtiu efeito e as autoridades peruanas foram obrigadas a incluir uma cláusula mais favorável ao país.
Os ambientalistas peruanos criticam ainda a "exportação" para lá do passivo ambiental brasileiro (prejuízos ao ambiente, caso o país construísse as usinas planejadas para o Peru em seu próprio território).
Parte das obras no Peru será financiada com recursos do BNDES, que também liberou dinheiro para a construção da hidrelétrica de Tumarín, na Nicarágua. Ambos são projetos com a participação da Eletrobras. "A empresa é uma parceira importante", diz Luciene Machado, superintendente de comércio exterior do BNDES.
Não exportamos passivo ambiental, diz ministério
O governo nega que as usinas no exterior sejam "plano B". O Ministério de Minas e Energia diz que o aumento de capacidade do sistema será suprido por novas usinas em território nacional até 2020.
Ainda segundo o governo, a construção de usinas no exterior faz parte de uma estratégia de integração energética da América Latina com o objetivo de eficiência de custos. Cálculos da Eletrobras indicam que o "compartilhamento" energético poderia gerar economias de R$ 1 bilhão ao ano aos consumidores "integrados".
"O que existe é um interesse compartilhado", diz Altino Ventura, secretário de planejamento energético do ministério. "Se o Brasil não sair na frente desse processo [de integração], ele não acontecerá."
Segundo Ventura, o governo tem interesse em todas as possibilidades de conseguir energia firme a preços mais baixos, que possam ser repassados para o consumidor.
Para isso, há acordos com o Paraguai, a Argentina, a Bolívia e o Peru. Ventura diz que há negociações com a Venezuela e o interesse da Colômbia, apesar das barreiras geográficas amazônicas, algo que dificultaria a conexão.
O governo nega as críticas de que estaria exportando "passivo ambiental" ou implementando uma "política imperialista".
Por meio de sua assessoria, a Eletrobras também refuta as acusações de ambientalistas, dizendo que só vai participar de projetos que respeitem a legislação ambiental dos países envolvidos e as posições das comunidades locais.
Potencial
Ainda segundo ele, a América Latina dispõe de 18% do potencial hídrico do planeta e somente 24% dele está explorado. "Mesmo que essa energia não seja consumida internamente, poderia ser importada ou exportada."
A Odebrecht informou que os problemas na usina de San Francisco, no Equador, não tiveram a ver com a execução da obra ou falhas no projeto.
Após a conclusão, um dos vulcões na região entrou em erupção e a lava misturada à água comprometeu as turbinas, paralisando a usina. Os argumentos foram comprovados e aceitos pelo tribunal internacional que julgou o caso, em 2008.
(Por Julio Wiziack, Folha de S. Paulo, 14/02/2012)