Para o pesquisador, a construção da obra portuária em São João da Barra, no Rio de Janeiro, não é necessária para o Brasil.
“Muitas famílias tiveram suas terras desapropriadas para ceder espaço ao distrito industrial, intimamente relacionado ao porto do Açu, em construção por empresas do grupo EBX. Para não valorizar os defensores dessa obra portuária, prefiro considerá-la como porto do Açu, e não superporto, expressão usada pelos seus construtores e defensores entusiastas”, esclarece o pesquisador Arthur Soffiati, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Para ele, as desapropriações são irregulares e se relacionam ao distrito industrial da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN), que dará suporte ao porto.
Segundo Soffiati, esse tipo de empreendimento é desnecessário para o país, pois irá “beneficiar um empresário que deseja ser o homem mais rico do mundo. Beneficiam um grupo muito pequeno de pessoas, inclusive políticos. Geram divisas para o país, mas os custos socioambientais são muito altos”, afirma.
E conclui: “apesar do discurso em defesa do ambiente e da sociedade adotado pelo empreendimento, na prática, ocorre o contrário. Os pequenos produtores rurais de São João da Barra, no início de sua organização, tinham o cuidado de defender seus interesses sempre esclarecendo que não eram contra o progresso e o desenvolvimento. Agora, eles já perceberam com clareza que o complexo industrial-portuário não representa um verdadeiro desenvolvimento.”
Arthur Soffiati é Doutor em História Ambiental e pesquisador do Núcleo de Estudos Socioambientais da Universidade Federal Fluminense/núcleo Campos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Algumas famílias tiveram seus imóveis desapropriados em função da construção de novos empreendimentos em São João da Barra? Que empreendimentos são esses? Eles estão relacionados ao superporto de Açu?
Arthur Soffiati - Não apenas algumas, mas muitas famílias tiveram suas terras desapropriadas para ceder espaço ao distrito industrial, intimamente relacionado ao porto do Açu, em construção por empresas do grupo EBX. Para não valorizar os defensores dessa obra portuária, prefiro considerá-la como porto do Açu, e não superporto, expressão usada pelos seus construtores e defensores entusiastas. As desapropriações são irregulares e se relacionam ao distrito industrial da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN), que dará suporte ao porto. Ele foi concebido pela iniciativa privada em seu próprio benefício, mas instituído pelo governo estadual.
Basta dizer que a área do distrito industrial previsto pelo Plano Diretor do município de São João da Barra foi praticamente revogada por um decreto do governo estadual para atender aos interesses do grupo X. Quanto aos empreendimentos gulosos de terras em São João da Barra, menciono um mineroduto, um porto em forma de ilha, duas termelétricas, um estaleiro (rejeitado pela população em Santa Catarina), duas siderúrgicas, empresas dos setores metal-mecânico, cimenteiras e outras ainda não conhecidas.
Que empreendimentos secundários serão construídos para viabilizar o superporto de Açu? É verdade que a MPX pretende construir duas usinas termoelétricas na região, uma a base de carvão e a outra, de gás natural?
Soffiati - Inicialmente, o grupo EBX declarou pretender apenas um mineroduto ligando Minas Gerais ao litoral do Estado do Rio de Janeiro para escoar ferro para exportação. Como, na costa entre os Rios Itapemirim, no sul do Espírito Santo, e o Rio Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, não existe nenhuma formação de pedra para abrigar um porto, o grupo EBX resolveu construir uma ilha-porto dentro do mar com rochas retiradas do Morro do Itaoca, nas imediações de Campos. Este morro tem várias espécies vegetais nativas endêmicas restritas, ou seja, que só existem lá em todo o planeta.
É verdade que o grupo X vai construir duas termelétricas no complexo. Inicialmente, a primeira, movida a carvão mineral, teria a finalidade de fornecer energia para o empreendimento, mas logo se percebeu que a energia produzida ultrapassava as necessidades do porto. A intenção é vender energia. Em seguida, foi anunciada a construção de outra termelétrica, esta movida a gás natural. O empreendimento deixou de ser um porto exportador de ferro para assumir dimensões maiores.
Posteriormente, foram anunciadas duas siderúrgicas e várias outras fábricas, localizadas num distrito industrial, o que mudou o perfil inicial do empreendimento. E tudo com o aval do estado por meio de processos de licenciamento claramente facilitados.
Como está sendo feito o acompanhamento ambiental na região, para
evitar irregularidades?
Soffiati - Li todos os Estudos de Impacto Ambiental dos empreendimentos do que vêm sendo chamado de Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu (CLIPA). Todos eles apresentam erros grosseiros de conhecimento dos ecossistemas atingidos, além de falsificações que interessam ao grande empreendimento. O IBAMA só licenciou o mineroduto porque ele atravessa dois estados da federação. Os outros ficaram por conta do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), para o qual a ordem advinda do governo é aprovar tudo sem discussão.
Assim, todas as licenças são suspeitas, até porque conheço técnicos honestos no governo a me confirmarem a supremacia econômico-política sobre o técnico-ambiental. Resumindo, a ordem do governo estadual, metaforicamente, é a seguinte: se tartarugas mortas por dragagem forem encontradas, digam que elas morreram por engolir sacos plásticos ou foram dilaceradas por hélices de barcos pesqueiros.
Em síntese, o IBAMA lavou as mãos, como Pôncio Pilatos, e transferiu todo o processo de licenciamento ao INEA, cujos técnicos são obrigados a se violentar ao afirmarem que os empreendimentos não causam impactos socioambientais significativos.
Esses empreendimentos poderão gerar algum impacto ambiental na
região? Em que aspectos?
Soffiati - Os impactos socioambientais serão profundos até na percepção de um leigo. O mineroduto cortou lagoas através de aterros que as seccionam. O porto foi construído com pedras retiradas de um morro raro em termos de biodiversidade vegetal e numa zona costeira com forte energia oceânica. O acesso de navios a ele exigirá um canal de 13 quilômetros de comprimento por 18 metros de profundidade e 300 metros de largura porque o fundo do mar é raso. A areia retirada por uma draga de sucção já está provocando a morte de peixes, tartarugas marinhas e cetáceos. Parte dessa areia está sendo depositada no próprio fundo do mar. A outra parte está sendo usada para aterrar as cabeceiras de uma lagoa outrora ligada ao Rio Paraíba do Sul, onde se erguerá o distrito industrial.
Vários pequenos produtores rurais já foram retirados sumariamente de suas casas com respaldo da polícia militar e de seguranças do empreendimento. A construção de um estaleiro, rejeitado em Santa Catarina, vai cortar uma lagoa costeira por um canal de 300 metros de largura e 18 de profundidade. Esse canal vai se ligar ao de acesso ao porto. Como as correntes marinhas são fortes, a abertura dos dois canais exigirá dragagem constante. A intensa movimentação de navios de grande calado modificará radicalmente a atividade pesqueira.
O distrito industrial será um bairro industrial, impermeabilizando o solo de forma irreversível. A água para o empreendimento será captada no Rio Paraíba do Sul, num ponto em que ele não recebe mais nenhum afluente. Isto pode favorecer o avanço do mar pela foz. A contribuição de gases do efeito estufa na atmosfera ainda não foi mensurada.
Quais são os principais equívocos desses empreendimentos?
Soffiati - O grande equívoco desse empreendimento é trabalhar com recursos minerais, portanto esgotáveis. O ferro para as siderúrgicas e para exportação. O carvão mineral para mover uma termoelétrica. O gás natural para acionar a outra. E petróleo. O grupo EBX vai explorar petróleo na bacia de Campos, que será conduzido por um oleoduto que começa no porto. Outro equívoco é a instalação de um mega-empreendimento numa costa nova, baixa e ainda instável, com forte energia oceânica. Ele vai mudar completamente o perfil do município, que deixará de produzir alimentos por pequenos proprietários para produzir artigos de exportação.
Como o governo e os órgãos ambientais se manifestam diante
desses projetos?
Soffiati - O governo federal apoia o grande empreendimento, embora só tenha participado do licenciamento do mineroduto. O governo estadual facilita tudo para a instalação das unidades que vão formá-lo. Basta dizer que o distrito industrial e o corredor logístico de saída e entrada no complexo foram traçados pelo grupo X e impostos por decreto pelo governador do Estado. Descontente com o traçado do corredor logístico, a prefeita de Campos deveria pedir a mudança dele ao governador, mas foi fazer este pedido ao empresário Eike Batista e foi atendida.
Quanto ao governo municipal de São João da Barra, pode-se dizer que a prefeita do município assina embaixo tudo o que o grupo desejar. Eike Batista já ganhou inclusive o título de Barão de São João da Barra. Enfim, não se sabe ao certo quem governa o Estado e o Município, pois a relação entre governos e iniciativa privada é altamente promíscua.
Esses empreendimentos são necessários para o país?
Soffiati - Entendo que não. Eles vão beneficiar um empresário que deseja ser o homem mais rico do mundo. Beneficiam um grupo muito pequeno de pessoas, inclusive políticos. Geram divisas para o país, mas os custos socioambientais são muito altos. Apesar do discurso em defesa do ambiente e da sociedade adotado pelo empreendimento, na prática, ocorre o contrário.
Os pequenos produtores rurais de São João da Barra, no início de sua organização, tinham o cuidado de defender seus interesses sempre esclarecendo que não eram contra o progresso e o desenvolvimento. Agora, eles já perceberam com clareza que o complexo industrial-portuário não representa um verdadeiro desenvolvimento.
(Por Patricia Fachin e Thamiris Magalhães, IHU On-Line, 09/02/2012)