A disputa entre o presidente da Bolívia, Evo Morales, e líderes indígenas em torno de uma polêmica estrada financiada pelo Brasil deve voltar a gerar tensão no país. O Senado boliviano aprovou ontem a realização de uma consulta para determinar se a rodovia em questão pode ou não atravessar o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis).
A aprovação ocorre menos de quatro meses depois de Morales ter assinado, a contragosto, uma lei que declara o Tipnis “intangível” e que proíbe qualquer estrada no parque. A consulta popular deverá ocorrer em 120 dias após a sanção presidencial. Segundo o senador governista Júlio Salazar, serão ouvidos membros de 36 comunidades indígenas que vivem dentro do parque.
“Não sabemos ao certo quanto serão os votantes, porque há muita gente indocumentada. Mas estimamos que sejam entre 5 mil e 10 mil pessoas”, disse ao Valor.
Morales aposta em uma vitória do “sim” à rodovia, uma vez que a maioria dos moradores do Tipnis depende da agricultura e do plantio de coca para sobreviver e quer a estrada para escoar seus produtos.
A estrada, orçada em US$ 415 milhões, conta com um financiamento de US$ 332 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), e está sendo construída pela empreiteira brasileira OAS desde junho. A obra, praticamente uma linha reta de 306 km, foi projetada para ligar os Departamentos (Estados) de Cochabamba e Beni – hoje, para ir de um local a outro, é preciso passar por Santa Cruz, o que aumenta a distância para mais de 700 km.
O novo trajeto passa pelo território indígena em seu trecho 2, de 177 km. Sem terem sido consultados pelo governo, um grupo de nativos liderados pelo Cidob (Confederação dos Povos Indígenas da Bolívia) realizou no ano passado uma marcha de 61 dias que acabou mobilizando a opinião pública boliviana a favor de sua causa.
Pressionado, Morales assinou em outubro a lei que declara o Tipnis “intangível”. Mas logo em seguida começou a trabalhar para derrubar a lei, que contraria interesses de colonos e cocaleiros de Cochabamba, seu berço eleitoral.
Apoiados por esses dois grupos, índios ligados ao Conisur (Conselho Indígena do Sul) partiram em uma contramarcha a favor da rodovia. Eles chegaram a La Paz em meados de janeiro, foram recebidos por Morales e passaram a negociar a lei que prevê a consulta com parlamentares governistas, ampla maioria no Congresso.
Ontem, líderes do Cidob prometeram organizar uma nova marcha a La Paz. E afirmaram que, para que a consulta seja feita, o contrato entre o governo e a OAS deve ser anulado. A empresa já trabalha na construção dos trechos 1 e 3, nos dois extremos da rodovia.
(Por Fabio Murakawa, Valor Econômico / Amazonia.org.br, 08/02/2012)