É muito importante e bem-vinda para o Brasil a notícia de que o professor Bráulio de Souza Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, está ascendendo ao cargo de secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica, a convite do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Competente e experimentado na área – onde atua há muito tempo -, Bráulio concorreu com outros 66 indicados para o cargo. Sua principal tarefa – dificílima – será levar à prática o protocolo assinado em Nagoya em 2010 que pede a ampliação, para 17% da superfície planetária, das áreas de conservação da biodiversidade em terra e para 10% das de ecossistemas marinhos e costeiros, incluídos os mangues. O protocolo, ao qual já aderiram 70 países, precisa ser ratificado por pelo menos 50 – mas somente seis já o fizeram.
Entre as metas para o período que vai até 2020 está a de chegar a um acordo entre países – e em cada um deles, entre empresas, cientistas e povos tradicionais que detêm o conhecimento – sobre repartição de benefícios em produtos derivados da biodiversidade.
E também tornar prioritário o tema da biodiversidade, que o próprio secretário executivo reconhece que ainda não é relevante para as sociedades, principalmente em meio a uma crise econômica (Valor, 23/1).
Talvez por isso mesmo, especialistas calculam entre US$ 2 bilhões e US$ 4 bilhões as perdas anuais nessa área. A perda líquida de florestas no mundo, por exemplo, chegou à média de 145 mil quilômetros quadrados anuais entre 1990 e 2005 (30/11, 2011), segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Ainda assim, no último ano as florestas correspondiam a 30% da superfície terrestre.
Mas, diz ainda a FAO, em 25% da superfície do planeta a desertificação é total, por causa de erosão do solo, degradação da água e perda da biodiversidade; em 8% a degradação é moderada; em 36%, “leve”. Como, nesse quadro, conseguir aumentar a produção de alimentos em 70% até 2050, para atender pelo menos mais 2 bilhões de pessoas e eliminar a fome de pelo menos 1 bilhão – sem falar que o investimento necessário para isso terá de ser de US$ 100 bilhões anuais?
Nesse quadro, lembra o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) que já estamos consumindo recursos naturais 30% além da capacidade de reposição do planeta.
É uma riqueza enorme desperdiçada. Edward Wilson, um dos maiores especialistas na área, lembra que, embora saibamos muito pouco, já estão identificadas 280 mil espécies de plantas (que podem chegar a 320 mil), 16 mil de nematoides (que podem ser 15 milhões), 900 mil de insetos (talvez 5 milhões). Podemos ter de 5 milhões a 10 milhões de espécies. Em uma tonelada de terra fértil podem estar 4 mil de bactérias.
O comércio mundial de produtos naturais já está perto de US$ 4 trilhões anuais (talvez um quarto do comércio total), o de medicamentos derivados de plantas, em US$ 250 bilhões/ano. Robert Costanza e outros economistas da Universidade da Califórnia calcularam em US$ 180 trilhões anuais (o triplo do PIB mundial) o valor dos serviços que a natureza presta gratuitamente – fertilidade do solo, regulação do fluxo hídrico, regulação do clima -, se estes tivessem de ser substituídos por ações humanas.
Por aqui mesmo a questão é grave, com a perda de florestas na Amazônia ainda acima de 7 mil quilômetros quadrados anuais, o Cerrado já sem vegetação em 50% da área (85 mil km2 perdidos em sete anos) – no país que tem entre 15% e 20% da biodiversidade planetária.
Uma esperança está no fato de que o governo federal recolhe em consulta pública sugestões da sociedade (academia, governos, populações tradicionais, segmentos sociais) para um plano estratégico destinado a implementar até 2020 as recomendações da convenção. E também estuda como avançar na complicada questão da repartição dos frutos da exploração da biodiversidade. Pensa-se até em criar uma taxa de 3% sobre o faturamento público – as empresas não concordam (O Globo, 22/1).
É preciso correr. Como lembra Bráulio, a cada ano estamos descrevendo em média mil espécies novas no Brasil, que se somam às 41.121 espécies vegetais já conhecidas, 9.100 marinhas, 2.600 de peixes, dezenas de milhares de animais: “Estamos sentados em um baú de ouro e não sabemos o que fazer com ele” (Estado, 2/9/2010). Mas em Nagoya se calculou que serão necessários US$ 300 bilhões anuais (cem vezes mais do que hoje) em financiamentos dos países industrializados aos demais para cuidarem da biodiversidade.
Porque em cem anos 75% da biodiversidade de plantas alimentares já se perdeu – 22% das espécies de batata, feijão, arroz ainda podem ser perdidas. Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, chega a propor que o capital natural seja incluído nos cálculos do produto interno bruto (PIB) de cada país.
A posição brasileira será única se isso acontecer. Como já tem sido lembrado aqui, além da maior biodiversidade, temos 13% da água superficial do mundo, território continental, possibilidade de matriz energética “limpa” e renovável. O Brasil pode ser uma “potência ambiental”, diz Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento no Ministério da Ciência e Tecnologia – chamando a atenção para as questões graves na Amazônia e no Cerrado.
Às quais é preciso acrescentar as que sobrevirão se o novo Código Florestal aceitar muitas das propostas que estão na mesa; se o governo não prestar atenção à proposta do professor Aziz Ab’Saber de criar, em lugar dele, um Código da Biodiversidade específico para cada bioma, cada região; se continuar esquecida a proposta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de desmatamento zero na Amazônia e forte investimento, ali, na formação de cientistas para trabalharem com a biodiversidade.
Caminhos há, certamente. E a ascensão de um brasileiro à secretaria executiva da Convenção sobre Diversidade Biológica pode dar forte impulso a eles.
(Por Washington Novaes, O Estado de S. Paulo / EcoDebate, 06/02/2012)