No próximo dia 11 de março, protestos em todo o mundo marcarão o aniversário de um ano do acidente nuclear na usina de Fukushima, no Japão, que expôs mais de 300 pessoas a um alto grau de radiação. O número de mortes por câncer no futuro pode chegar a mil neste que foi o maior desastre nuclear desde Chernobyl, em 1986. Em junho, durante a Rio+20, a questão da energia nuclear estará novamente em pauta. A 150 quilômetros de distância de Angra 1 e Angra 2 e do terreno onde está sendo feita a terraplanagem de Angra 3, o programa nuclear brasileiro também será alvo de manifestações dos movimentos sociais. Neste contexto, o Fórum Social Temático em Porto Alegre, que aconteceu até domingo (29/01), não podia ficar fora do roteiro das articulações nacionais e internacionais, que visam não apenas paralisar a construção de Angra 3 como acabar com a produção de energia nuclear no país.
Num debate realizado na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, promovido pela Coalizão contra Usinas Nucleares e pela Articulação Antinuclear do Brasil, a lista exposta com as razões para se rejeitar esta forma de produção energética no país foi extensa, começando pelos riscos de acidentes. Os ambientalistas enfatizaram que não existe a possibilidade de risco zero na produção da energia nuclear.
“Antes de Fukushima, muitos defensores da energia nuclear afirmavam isso. Mas todos sabem que há o efeito da imprevisibilidade. No Japão, apesar de toda a tecnologia usada na segurança, o acidente foi catastrófico do ponto de vista social e ambiental”, avaliou Heitor Scalambrini, membro do Movimento Ecossocialista e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco.
No estado, a cidade de Itacuruba, a 750 km do Recife, na fronteira com a Bahia, seria a principal opção para a construção de uma nova usina nuclear no país. Além de Angra 3, há uma previsão de colocar em operação outras quatros centrais em território nacional: duas no nordeste e duas no sudeste, a um custo de R$ 10 bilhões cada uma. Itacuruba teria sido escolhida por ficar às margens da lago de Itaparica, ao longo do Rio São Francisco, por ter solo estável e estar entre os três maiores mercados consumidores de energia elétrica da região: Salvador, Recife e o complexo portuário de Suape. A Eletronuclear fala de seis reatores, a serem instalados num complexo de 6 megawatts de produção.
Outra razão contrária à ampliação do programa nuclear brasileiro seria seu próprio custo. Depois de Fukushima, em função das novas regras de segurança que estão sendo definidas em âmbito internacional, o custo da produção da eletricidade via esta tecnologia, que já é caro – em média R$ 180 megawatt/hora –, deve aumentar, reforçando a necessidade dos subsídios já frequentes por parte dos Estados.
“É um custo alto, que não se justifica, até porque esta tecnologia contribui com apenas 2% da geração de energia elétrica no Brasil, facilmente realizáveis através da melhoria das hidrelétricas. Num país com 8 mil quilômetros de litoral, de clima tropical na sua maioria e com enormes potenciais para energias renováveis, não se deve investir em energia nuclear”, acredita Dawid Bartelt, da fundação alemã Heinrich Boll.
O governo da Alemanha está oferecendo a garantia financeira para os investimentos em Angra 3, que está sendo construída com tecnologia daquele país. A garantia financeira é uma peça decisiva para a consolidação da obra. Depois do acidente de Fukushima, no entanto, o governo alemão decidiu desativar 8 das 17 usinas nucleares em funcionamento no país; o restante será paralisado até 2022. “É um escândalo político. Enquanto acha que esta tecnologia é perigosa demais para a população alemã, o governo acredita que pode incentivá-la para a população brasileira. Está exportando uma tecnologia que já foi banida ali para outros países”, criticou Bartelt.
Na semana do dia 27 de fevereiro, o Parlamento alemão tomará a decisão se autoriza ou não o governo a conceder a garantia a Angra 3. Articuladas com organizações alemãs, as entidades brasileiras estão pressionando os congressistas europeus.
Já para o Parlamento brasileiro, foi lançada uma proposta popular de emenda constitucional, que pretende coletar pelo menos um milhão de assinaturas, para proibir, na Constituição Federal, que o país tenha usinas nucleares.
“Há um total desconhecimento da população brasileira em relação ao que está acontecendo. E uma própria ignorância dos governantes sobre este risco. Desde os prefeitos que disputam para sua cidade ser sede de usina ou para vencer licitações para receber lixo nuclear, tudo em busca de um troquinho”, disse Chico Whitaker, da Coalizão contra Usinas Nucleares. “Herdamos dos militares a ideia de que, para ser potência mundial e entrar no Conselho de Segurança da ONU, temos que ter um programa nuclear. É uma ignorância sobre o legado que deixaremos para as gerações futuras. Basta lembrar do que aconteceu com o Césio-137 em Goiânia”, alertou.
Lixo de 20 mil anos
Para além dos riscos de vazamento e contaminação durante a operação das usinas, a energia nuclear produz um lixo altamente radioativo, que demora 20 mil anos para esgotar seu potencial de radiação. Uma usina com vida útil de 30 anos, por exemplo, geraria mais de mil toneladas de lixo radioativo. A Finlândia é um dos poucos países do mundo que desenvolveu uma solução final para o armazenamento do lixo atômico. Em Angra, segundo os especialistas presentes no Fórum Social Temático, o armazenamento se dá em piscinas a céu aberto.
O risco, de fato, é enorme. Em 1987, uma pedra de apenas 19g de Césio-137 foi responsável pela contaminação de pelo menos 1.600 pessoas em Goiânia. A cápsula, exposta num depósito de material reciclável em uma máquina antiga de radioterapia, foi retirada por alguém que desconhecia a propriedade do elemento e que acabou, involuntariamente, contaminando todos que com ela entraram em contato. Odesson Alves, Presidente da Associação das Vítimas do Césio-137, é irmão da pessoa que encontrou a pedra.
“Meu irmão achou a pedra e queria fazer um anel para esposa. Me mostrou o material, eu o toquei por alguns segundos e isso bastou para que 40 pessoas da nossa família fossem contaminadas. As autoridades não sabiam como gerir o acidente e todos que tiveram contato direto e indireto com o material foram atingidos. A partir daí começou nosso inferno. Tive que ficar mais de quatro meses em quarentena, distante de cinco metro das pessoas. Minha mulher teve caroços no corpo todo. A população queria nos apedrejar, nos acusavam de ter destruído a cidade, meus filhos tiveram que mudar de escola. Mas quem pegou o material também era vítima do processo, das autoridades da Comissão de Energia Nuclear, que deveria ter transportado e guardado o material com segurança”, afirma Odesson Alves.
Mesmo tendo feito 10 sessões de descontaminação, ele perdeu parte do dedo indicador da mão direita, tem uma deficiência na mão esquerda, seu nível de plaquetas opera sempre no mínimo, sente arrepio nos ossos e, muitas vezes, adquire várias doenças ao mesmo tempo, por ter o sistema imunológico deficiente. “Tem pessoas que tem feridas abertas no corpo até hoje, 25 anos depois”, contou. O acidente em Goiânia também gerou 6 mil toneladas de rejeitos radioativos.
Os riscos no entanto, começam muito antes, alertaram as organizações. Em Caetité, na Bahia, onde existe uma mina de extração de urânio – a primeira etapa da cadeia da produção da energia nuclear –, os problemas gerados na população são enormes. Em agosto, a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais divulgou o relatório da missão realizada na cidade para levantar as violações de direitos ocorridas no ciclo nuclear. Os documentos são reveladores do descaso do poder público com a vida dos moradores da região.
“Tudo começa com a explosão de dinamite na rocha, que gera um gás radônio, que não tem cheiro nem cor e vai ser inalado pelas pessoas, que sequer sabem que isso está acontecendo. Este gás contamina a água, o solo, os produtos agrícolas, os animais, as pessoas. Ninguém sabe a extensão das contaminações bacia hidrográfica abaixo. Até a água que a população bebia foi considerada contaminada”, contou Renato Cunha, do Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBA), que reivindica o fim da exploração do urânio na cidade. Desde o ano 2000, quando a mina começou a funcionar, a incidência de câncer na população não para de crescer.
“Queremos que o programa nuclear brasileiro seja desativado. Mas não é só fechar as usinas. Temos que acabar com a exploração do minério, instalar um sistema de monitoramento independente dos riscos da população e melhorar o atendimento à saúde na região. Desde sempre soubemos que é melhor deixar o urânio embaixo da terra”, disse Cunha.
(Por Bia Barbosa, Carta Maior, 29/01/2012)