Na última semana de janeiro, 27 presidentes dos Tribunais de Justiça do país se reuniram em Teresina (PI). O objetivo era debater o “aprimoramento das atividades” do Poder Judiciário. Concluíram que a atual crise de credibilidade pela qual passa o Poder Judiciário é culpa de ninguém mais nem menos do que o…… Mensalão!
Na avaliação dos magistrados, existe uma conspiração para “emparedar” o Supremo Tribunal Federal, exatamente no ano em que será julgado o maior escândalo da gestão do presidente Lula. A conspiração seria liderada por réus do mensalão, inclusive colegas de toga, que ainda teriam influência suficiente para jogar o Judiciário contra as cordas.
Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Henrique Nélson Calandra, foi explicito na defesa dessa tese: “O Supremo está emparedado…. alguns réus podem estar por trás disso…. eu não estou falando do Zé Dirceu…” etc.
Zé o que??
Calandra e seus doutos companheiros lançaram uma cortina de fumaça sobre si mesmos. Não querem admitir os fatos, algo tão caro ao trabalho de um magistrado. O supremo não está emparedado. Está, de fato, no banco dos réus da opinião pública. Por responsabilidade dos juízes, por causa de fortes suspeitas em relação à conduta de pessoas que deveriam ser as guardiãs dos bons modos.
A crise, de fato, é a mais grave desde que a Constituição de 1988 conferiu a esse poder a autonomia e a independência necessárias para resguardar os direitos e assegurar o respeito ao ordenamento jurídico. É muito mais do que uma trama conspiratória, supostamente orquestrada por personagens suspeitos de corrupção, desvio de dinheiro, suborno e transporte de dinheiro na cueca.
Raiz do problema
Ao investigar a declaração de bens e a folha de pagamento dos juízes, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu o que muita gente chama de “a caixa preta do Judiciário”. Seria mais adequado dizer que o CNJ abriu mesmo foi o cofre dos juízes, ao expor esquemas de desvios de recursos e pagamentos indevidos. O escândalo chegou ao Supremo Tribunal Federal e envolveu o presidente da casa – Cezar Peluso, e o ministro Ricardo Lewandowski. Ambos receberam pagamentos que estavam sob investigação do CNJ, um passivo trabalhista da década de 90. Os pagamentos, segundo o CNJ, apresentam indícios de irregularidade.
Infalibilidade
A investigação não foi concluída por um motivo inusitado: Ricardo Lewandowski, como ministro do Supremo, deu uma canetada e mandou suspender o trabalho em que ele mesmo poderia, supostamente, estar sendo investigado.
Cezar Peluso, que também recebeu recursos do mesmo passivo trabalhista, saiu em defesa do colega. “A vida funcional do ministro Lewandowski e a dos demais ministros do Supremo Tribunal Federal não pode ser objeto de cogitação, de investigação.”
Tradução: conosco ninguém mexe, nem mesmo o órgão que criamos para investigar juízes, o CNJ. Ao declarar que um juiz do Supremo não pode ser investigado, Peluso ergue uma blindagem entre ele e as aspirações da sociedade. Como se no Supremo só existissem pessoas acima de qualquer suspeita.
Ora, se um cidadão comum pode ser investigado, por que um juiz da Alta Corte não pode? Essa história de se conclamar infalível não tem nada a ver com o Poder Judiciário. Foi inventada pelo papa Clemente I em 90 d.C., quando encerrou uma discussão dizendo que sua opinião era infalível porque falava em nome do Espírito Santo. A declaração do papa “pegou”, virou dogma e contribuiu para construir a história do catolicismo.
Declarar-se infalível está mais para a Idade das Trevas do que para um mundo ordenado pelo Direito. No Brasil, a sensação geral é a de que os juízes estão protegendo a si mesmos, ao proibir a investigação do CNJ. O Poder Judiciário adota a tática de desqualificar as críticas, como se a sociedade fosse composta de analfabetos incapazes de compreender o alto nível de suas discussões.
Tudo indica que não existe conspiração diabólica para desqualificar o Poder Judiciário. O problema está mais para uma crise de valores do que para pressão que eventualmente os réus possam exercer sobre os magistrados, se é que de fato isso possa ser concebido.
Foi-se o tempo que criticar o poder judiciário era um tabu. Assim como se foi o tempo que essa história de infalibilidade ainda colava. O Poder Judiciário precisa transpor a barreira que o mantém no século passado.
(Por Marques Casara, 29/01/2012)