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cvrd passivos da siderurgia política ambiental do maranhão
2012-01-19 | Mariano

Depois de ser devastada pela exploração ilegal de madeira, a cidade de Açailândia, localizada no interior maranhense, virou refúgio das siderurgias de ferro-gusa e se transformou no “símbolo do desenvolvimento que está ‘puxando’ o Brasil a todo vapor: muita riqueza produzida, mas custos sociais e ambientais elevados”, denunciam o advogado Danilo D’Addio Chammas e o padre Dário Bossi, missionário comboniano.

Críticos à atuação da Vale e das siderúrgicas instaladas ao longo do corredor de Carajás, os entrevistados dizem que as empresas estão gerando impactos socioambientais e interferindo na qualidade do ar, da água e do solo. “Decorrem disso graves doenças pulmonares, alergias de pele, problemas aos olhos”, relatam. Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, eles contam que a instalação da Vale em Açailândia está contribuindo para enriquecer alguns setores, como “a elite político-econômica, os empreendedores locais e também investidores que instalaram empresas ou comércio”. O desenvolvimento local está acontecendo “à custa de muitos bolsões de pobreza, de um ciclo descontrolado de imigração-emigração, ligado aos altos e baixos da oferta de trabalho e às crises nacionais e internacionais”, reiteram.

De acordo com eles, as condições de vida da população local estão piorando em função da construção de uma “segunda Ferrovia de Carajás”. “Os canteiros de obras estão trazendo conflitos, violência, prostituição de crianças e adolescentes, acidentes pelo número muito elevado de carros e máquinas nas proximidades das habitações. Há também ameaça de despejo de algumas famílias que ficariam próximas demais aos trilhos duplicados”, informam. Confira a entrevista.

Quais os principais problemas e impactos sociais que a Vale está ocasionando na região de Açailândia?
Danilo D’Addio Chammas e Dário Bossi - Açailândia encontra-se no profundo interior do Maranhão, onde as condições de investimento das grandes multinacionais são privilegiadas pela disponibilidade de terras a baixo preço, um bom abastecimento hídrico, a possibilidade de relações promíscuas com o mundo político e uma fiscalização ambiental quase ausente. Esses são os principais motivos que determinaram a instalação dos empreendimentos da Vale e de suas clientes privilegiadas: as siderúrgicas.
Os maiores impactos socioambientais são a poluição de ar, água e solo devido às emissões de fornos industriais de carvão para a siderurgia (ao lado do assentamento Califórnia, com 268 famílias) e às emissões da própria produção siderúrgica (ao lado do povoado Piquiá de Baixo, com 320 famílias). Decorrem disso graves doenças pulmonares, alergias de pele, problemas aos olhos, cansaço. Há também impactos ligados à passagem da Estrada de Ferro Carajás – EFC no meio de povoados e bairros do município: uma pessoa por mês morre atropelada ao longo da EFC; dezenas de animais domésticos e silvestres são mortos em função de acidentes parecidos; ocorrem desmoronamento de poços, estrondos e buzinas ao passar constante do trem etc.
Enfim, outros impactos estão aparecendo devido aos projetos de duplicação dos trilhos, isto é, à construção de uma segunda Ferrovia de Carajás ao lado daquela já existente. Com a construção dessa estrada, as empresas poderão lucrar mais rapidamente, pois escoarão o minério com trens de 400 vagões passando sem parar no meio do povo: os canteiros de obras estão trazendo conflitos, violência, prostituição de crianças e adolescentes, acidentes pelo número muito elevado de carros e máquinas nas proximidades das habitações. Há também ameaça de despejo de algumas famílias que ficariam próximas demais aos trilhos duplicados.

Uma das principais comunidades afetadas pela Vale são, em Açailândia, os bairros Piquiá de Baixo e Assentamento rural Califórnia. Como o senhor avalia os danos causados nessas regiões? Quais as alternativas existentes para a mudança deste quadro no estado do Maranhão?
Danilo D’Addio Chammas e Dário Bossi - Para permitir o enriquecimento rápido de poucas pessoas e/ou empresas, é necessário que outros assumam em silêncio suas consequências. Sempre afirmamos que, no Maranhão, “o lucro é privado, mas o prejuízo é público”. Isso acontece de forma emblemática em Açailândia e em seu bairro industrial de Piquiá de Baixo, que a imprensa começa a definir “a Cubatão da Amazônia” (Carta Capital).
Assim, a Vale e, em consequência, as empresas siderúrgicas instalaram-se na região depois que o povo já morava ali e encostaram seus empreendimentos ao lado de casas e povoados. Nisso se reconhece uma evidente cumplicidade entre as administrações políticas locais e estaduais e essas empresas, que ainda hoje não estão sendo cobradas pelos impactos que provocam a cada ano, a cada dia, a cada hora na saúde e na dignidade de nosso povo!
A fiscalização ambiental não é uma alternativa, mas sim uma urgência. Ao lado disso, o envolvimento e o protagonismo do povo nos processos de licenciamento ambiental e de renovação das licenças já emitidas (audiências públicas, direito das comunidades de se expressarem acolhendo ou rejeitando a instalação de empreendimentos desse porte, mecanismos de maior repartição do lucro da cadeia de mineração e siderurgia, entre outros mecanismos que devolvem poder e oportunidades ao povo maranhense).
A própria terra precisa voltar a ser um bem de uso e direito público: a reforma agrária ainda não chegou nessas terras griladas e agora acumuladas pela monocultura de eucalipto ou subtraídas pelo descobrimento de novas minas. A agricultura familiar, que ainda alimenta 70% dos brasileiros/as, tem razões para resistir e garantir futuro a nossas famílias. Não por acaso estamos insistindo em cursos e oficinas de agroecologia e economia solidária: numa terra onde a economia está sendo re-primarizada pela exportação neocolonial de matéria prima, nos sentimos em direito de reafirmar o valor primário da agricultura familiar!

De que maneira os movimentos sociais e as entidades estão se manifestando na região na luta contra os danos causados pela siderúrgica?
Danilo D’Addio Chammas e Dário Bossi - O conflito é tão grave que nossos adversários conseguiram até unificar a resistência dos movimentos sociais, muitas vezes tão fragmentada! Devolver dignidade ao Piquiá de Baixo, por exemplo, tornou-se uma pauta transversal de sindicatos, Movimento dos Sem Terra, Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos, rede Justiça nos Trilhos etc.
Além de suscitar a solidariedade nacional e internacional, que se faz visível pelas denúncias da imprensa e de entidades parceiras, bem como por estudos e denúncias de qualidade, como o relatório 2011 da Federação Internacional dos Direitos Humanos, nossa luta é pelo viés jurídico-legal, pela divulgação do escândalo que se vive nessas terras, pela educação popular e o protagonismo dos atingidos, pelo intercâmbio entre atingidos e pela mobilização através de ações diretas não violentas.

Como está sendo realizada a atuação do Ministério Público Estadual – MPE na região frente ao problema?
Danilo D’Addio Chammas e Dário Bossi - No caso de Piquiá de Baixo, o MPE está conduzindo o processo de negociação ao redor de um Termo de Compromisso de Conduta assinado pelo Município de Açailândia, o Estado do Maranhão, o sindicato das empresas siderúrgicas e a Vale.
No caso do assentamento Califórnia, o MPE solicitou laudos ambientais à Secretaria Estadual de Meio Ambiente, mas ainda não conseguiu respostas. Requereu um laudo ambiental da poluição dos fornos de carvão da Vale e das siderúrgicas, mas o resultado foi extremamente superficial e profundamente insatisfatório.
No caso da duplicação (ilegal) da Estrada de Ferro Carajás, o Ministério Público Federal – MPF moveu uma Ação Civil Pública – ACP contra a Vale e o Ibama pelo atravessamento de território quilombola, conseguindo interromper as obras de duplicação até que não seja feita uma negociação de qualidade. O MPF, porém, não enfrentou ainda a ilegalidade como um todo da duplicação.

A Vale tem uma relação direta com as cinco siderúrgicas de Açailândia. No que isso afeta o agravamento dos impactos sociais naquele município?
Danilo D’Addio Chammas e Dário Bossi - Já fizemos referência à poluição extremamente grave das siderúrgicas. Um laudo ambiental de um professor universitário de biologia, encomendado pelo Tribunal de Açailândia, demonstra isso de forma científica e apavorante. A Vale continua adotando uma política de dois pesos e duas medidas e uma estratégia de marketing voltada à visibilidade e à imagem (falsa e incompleta) de empresa respeitosa da vida e do meio ambiente.
Por isso, em 2009 a Vale suspendeu o fornecimento de minério às clientes privilegiadas de seu Programa Grande Carajás, porque essas siderúrgicas estavam fazendo uso de carvão ilegal, proveniente de trabalho escravo. Essa suspensão demorou poucos dias e revelou-se uma eficaz operação midiática. Ninguém, porém, entende porque a Vale não suspende o fornecimento de minério às siderúrgicas até elas pararem de poluir. Será que ambas têm consciência que isso iria custar demais e não seria viável para a rentabilidade do ciclo de mineração e siderurgia?

Que impactos sobre os direitos humanos são gerados pelas atividades industriais de mineração e siderurgia vinculadas com as operações da Vale no Maranhão?
Danilo D’Addio Chammas e Dário Bossi - A Federação Internacional dos Direitos Humanos demonstrou que só em Açailândia (um dos 25 municípios do Maranhão atravessados pela Estrada de Ferro Carajás) existem as seguintes violações de direitos por parte da Vale: violação do direito à saúde e a um meio ambiente saudável, impactos sobre o direito a uma moradia adequada, violação do direito à vida, segurança pessoal e integridade física, negação do direito à informação e do direito a um recurso efetivo. Destacam-se entre outras, ao longo dos trilhos, as violações de direitos contra as populações tradicionais, quilombolas e indígenas.

Qual é a condição de vida dos habitantes que residem em Açailândia?
Danilo D’Addio Chammas e Dário Bossi - Veja o que disse a revista Veja em agosto de 2010: “Fundada há apenas 29 anos (na verdade a cidade existe há cerca de 60 anos, mas em 2011 celebrou 30 anos de município independente), a maranhense Açailândia presenciou o que há de mais predatório na Amazônia. Sua madeira de lei foi contrabandeada para o Sudeste e o que sobrou de suas florestas, reduzidas a cinzas.
A riqueza do comércio ilegal ficou longe da cidade, constituída em sua maior parte por favelas. Esse cenário está ficando para trás no município, que foi incluído entre as cidades médias no ano passado. O poeirão ainda tinge suas paredes, mas a ilegalidade vem cedendo espaço a siderúrgicas de ferro-gusa, que trouxeram a riqueza da mão de obra especializada para a cidade.
Sua prosperidade atraiu empresas de outros ramos. Nos seus campos, instalaram-se fazendas a partir das quais o maior rebanho de gado do Maranhão abastece um setor nascente de laticínios. As mudanças permitiram que a jovem Açailândia alcançasse a maior renda per capita do Maranhão, à frente da capital, a secular São Luís”.
Por outro lado, em 2009, o Ministério das Cidades definia Açailândia como “Centro urbano com elevada desigualdade e pobreza”.
É evidente que a cidade desenvolveu-se e enriqueceu muito algumas categorias (a elite político-econômica, os empreendedores locais e também investidores que instalaram empresas ou comércio, mesmo sem querer morar nesse interior bastante isolado, onde há poucas oportunidades de lazer e cultura, e onde o direito à saúde é precário).

Bolsões de pobreza
Esse desenvolvimento, porém, foi à custa de muitos bolsões de pobreza, de um ciclo descontrolado de imigração-emigração, ligado aos altos e baixos da oferta de trabalho e às crises nacionais e internacionais. Em particular, a crise de 2008 atingiu fortemente a cidade, que não soube diferenciar sua produção e ainda concentra suas prioridades quase exclusivamente no setor siderúrgico, na criação de gado e no comércio.
Nesse sentido, a cidade de Açailândia é um símbolo do desenvolvimento que está ‘puxando’ o Brasil a todo vapor: muita riqueza produzida, mas custos sociais e ambientais elevados, escondidos, pesando sobre as camadas mais pobres e excluídas, com menos condições de gritarem sua revolta e buscarem alternativas. Esse é um exemplo evidente e concreto do chamado ‘racismo ambiental’.
Além disso, temos que considerar que a parcela de lucro que ainda fica em Açailândia é a contribuição fiscal das siderúrgicas (ICMS), mas não há repasse fixo da Vale para o município. O prefeito de Açailândia, em várias ocasiões públicas, condenou essa postura da Vale, que muito pouco contribui para a economia da cidade.
Existem projetos de investimento social realizados pela Fundação Vale, a maioria dos quais gozam do benefício de isenção fiscal (dedução no imposto de renda do doador dos valores que ele tenha destinado aos projetos sociais ou culturais). Essas benfeitorias fazem parte de uma estratégia de marketing social e de cooptação de favores das comunidades e administrações públicas, permitem facilmente o ‘controle’ de lideranças e organizações, tornando-as reféns dessas promessas de projetos ou da manutenção dos mesmos ao longo do tempo.
Portanto, além de faltar uma contribuição efetiva da Vale às economias locais dos municípios que a ferrovia atravessa (como Açailândia), há uma injeção ambígua de pequenas, mas ‘sedutoras’, quantias de dinheiro por parte da empresa.

Em que sentido a expansão da monocultura de eucalipto pode ser um problema para os moradores daquela região?
Danilo D’Addio Chammas e Dário Bossi - De acordo com um recente estudo publicado pela Repórter Brasil intitulado Deserto Verde – os impactos do monocultivo de eucalipto e pinus no Brasil, “a expansão do monocultivo de eucalipto vem sendo acompanhada pelo aumento das denúncias e dos flagrantes de violações à legislação trabalhista e aos direitos humanos”.
No Maranhão, a expansão do eucalipto tem duas frentes aliadas: de um lado os investimentos da Suzano, que já dispõe de 154 mil hectares de terra plantados de eucalipto para abastecer uma grande usina com o objetivo de triplicar sua produção de celulose; e do outro, o monocultivo para a produção de carvão para a siderurgia. Atualmente as siderúrgicas consomem cerca de 30% de carvão oriundo de eucalipto.
Os efeitos nocivos do eucalipto, comprovados pela experiência de inúmeras comunidades já cercadas por esse deserto verde, são: grande consumo de água, diminuição do fluxo de rios e córregos e até sua extinção, erosão e perda de nutrientes do solo, utilização de grandes quantidades de agrotóxicos, expulsão de camponeses de suas terras e grilagem de terras.

Existem recursos do governo para proteger a população dos danos e impactos causados pelos referidos empreendimentos instalados no estado do Maranhão?
Danilo D’Addio Chammas e Dário Bossi - Não. Estamos batalhando junto ao povo para conseguir dignas indenizações pelos danos sofridos por causa do Estado e da iniciativa privada. Estamos também construindo um diálogo com alguns representantes do poder legislativo estadual e federal, a fim de propor um Projeto de Lei sobre os Fundos Sociais da Mineração já existentes em outros países do mundo. Trata-se de um esforço de sistematizar e dar consistência legal ao direito do povo de ver reparados os danos sofridos até agora. No site www.justicanostrilhos.org estamos recolhendo muita documentação e aprofundamentos, também a esse respeito.

(IHU On-Line / EcoAgencia, 18/01/2012)


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