Durante muito tempo, nossos historiadores diziam que nossas cidades coloniais eram fruto do desleixo, com traçados sem rigor ou método. Entretanto, alguém por aí já viu o núcleo histórico dessas cidades embaixo d’água ou sob deslizamentos de terra? Nem puxe pela memória. Não viu porque eles foram construídos em locais abrigados de enchentes, que não desafiam a natureza.
Flávio Ferreira, arquiteto e professor da FAU-UFRJ, apontou na sua tese de doutorado um quadro bem diferente da ideia de que os portugueses eram desleixados. Na tese, ele mostra que as cidades coloniais mineiras foram cuidadosamente planejadas, sempre fundadas ao longo de riachos, afluentes de um rio principal, mas nunca próximas a eles.
Os fundadores da cidade, sabendo dos riscos de cheia nestes rios, mantinham as ruas e sobrados à distância segura. Os seus traçados seguiam de maneira orgânica o curso de pequenos riachos e o relevo dos morros suaves.
As cidades mais novas como Brumadinho escolheram outro parâmetro na sua fundação e desenho de suas ruas: seus núcleos urbanos estão próximos às ferrovias e suas estações. A questão é que os engenheiros que traçaram as ferrovias, aparentemente buscaram áreas mais planas, onde o trem pudesse passar sem vencer desníveis. E geralmente, em Minas Gerais, essas áreas mais planas são fundos de vales onde correm os rios principais, como é o caso do rio Paraopeba, que inundou Brumadinho há 5 dias.
Segundo o site Brumadinho Tour, Conceição de Itaguá, localizada a cerca de 2,5km de Brumadinho, foi o primeiro assentamento na região. Estava lá antes da ferrovia passar. Já Brumadinho surgiu junto à estação da linha férrea, que por sua vez estava bastante próxima ao Rio Paraopeba. Se houvesse feito um pequeno ramal de 2,5km até Conceição do Itaguá, talvez o panorama de hoje fosse diferente.
Núcleo urbano de Conceição do Itaguá, anterior a ferrovia, e Brumadinho, posterior à ferrovia. Através da leitura dos rios e pelas curvas de nível que mostram o relevo, nota-se que Conceição está num local mais seguro que Brumadinho.
Ele foi feito baseado numa carta de relevo e hidrografia do IBGE, de 1976. Nele podemos ver a diferença dos dois assentamentos: Conceição do Itaguá está num local a cerca de 2,5km do rio Paraopepa e 20 metros mais alto. Fica entre diversos riachos, que fornecem água limpa para a cidade. Já o núcleo urbano de Brumadinho acompanha o traçado da linha do trem, que por sua vez acompanha o Rio Paraopeba, o qual é vulnerável a enchentes, pois como mostra o mapa recebe a água de todos os riachos da região.
Entretanto, não se animem em mudar o núcleo para Conceição de Itaguá: Antes descubramos como anda a represa da Copasa-MG, que represou o Rio Manso a alguns metros acima dos dois núcleos urbanos...
Esta situação se repete em cidades como Caçapava, no Vale do Paraíba, e diversas outras cidades pelo Brasil.
(Por Raul Bueno*, O Eco, 11/01/2012)
* É arquiteto urbanista, leciona na FAU-UFRJ e no Bennett. Ao projetar, busca o equilíbrio da cidade com o meio ambiente. Mora no Rio de janeiro e é um ciclista inveterado. Só falta pedalar da Urca ao Fundão.