Os noticiários brasileiros, mais uma vez, foram inundados por notícias das chuvas de verão que, mais uma vez, trouxeram destruição ao Rio de Janeiro e a Minas Gerais (e prometem se espalhar por outras partes do país). Mas, infelizmente, parece que o fato é novo, que o desastre ocorreu apenas por acaso ou por caprichos da terrível natureza. “Choveu demais, acima da média” – e ninguém atualiza a média –, é o bordão favorito. Alguns jornalistas mais independentes até chegam a culpar o poder público, mas é tudo isolado. As chuvas de hoje parecem não ter relação com as que ocorreram nem bem faz um ano, em especial na região serrana do Rio, novamente ameaçada.
Mais de 900 mortos em uma das maiores catástrofes “naturais” do país, cuja origem não é bem a chuva, mas o descaso de políticos e “autoridades”. Só para se ter um exemplo, a verba para contenção de enchentes do governo federal, algo em torno de 300 milhões de reais, sequer foi tocada um ano depois da conhecida tragédia. Nos encaminhamos para uma nova tragédia – nova apenas no nome, pois ela é apenas a continuação de um longo processo que vem corroendo as instituições políticas desde que o Brasil existe.
Noticiários mostram a tragédia como um Big Brother da vida, com direito a closes de pessoas que perderam tudo e entrevistas constrangedoras com pessoas em situação de completo desalento e desespero. Um show grotesco, mas que vende, garante audiência. Repórteres em áreas perigosas se arriscam para garantir os melhores ângulos da casa que desaba, do dique que rompe ou da família que teve sua vida destroçada. Aqui e ali um ponto de revolta, um comentário mais ácido em relação à política e aos políticos, mas tudo controlado, dentro de um “padrão de qualidade” em que o culpado é São Pedro, pois choveu demais e nada poderia ser feito.
Quando a mídia fará jornalismo?
Não importa que canal de TV ou que jornal dê a notícia, o tom brando usado contra políticos é sempre o mesmo. O fato dos principais locais com “problemas” serem governados de um lado por PMDB/PT (Rio de Janeiro) e de outro pelo PSDB (Minas Gerais) impede que a mídia se exceda nas críticas contra o governo federal, seu alvo preferencial. Fosse a crise apenas no Rio de Janeiro, teríamos um verdadeiro banquete em que o povo ficaria apenas olhando, sofrendo, afogado. Não é preciso pensar muito para chegar à conclusão de que a mídia tem lado.
O lado dos poderosos, claro.
Quando veremos, na TV aberta, um especial que trate as temporadas de chuva e de desastre não como algo separado, sem ligação, mas como um processo contínuo de descaso, desvio e mau uso de verbas públicas? Quando teremos capas de jornais afirmando que não vemos nada novo, mas apenas a continuação do descaso? Podem até aproveitar capas passadas, matérias passadas, pois a tragédia é a mesma, as vítimas são as mesmas.
Quando a mídia fará efetivo jornalismo, serviço público, e não algo próximo do RP de governos e empresas interessadas na desgraça humana?
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(Por Raphael Tsavkko Garcia, Observatório da Imprensa, 17/01/2012)
[Raphael Tsavkko Garcia é jornalista, blogueiro e mestrando em Comunicação]