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política ambiental brasil desenvolvimento da amazônia hidrelétricas na amazônia
2012-01-03 | Mariano

Perguntaram-me quais são, em minha opinião, os destaques ambientais de 2011 para a Amazônia. Não gosto fazê-lo, pós, o resultado nunca é bom. Mas, é necessário cumprir com esse ritual anual já que, caso contrário, a propaganda triunfalista dos governos, em especial a do brasileiro por acolher a Rio+20, faz esforços para mostrar que a casa está em ordem e que a situação está melhorando. Obviamente, isso está muito longe de qualquer verdade. Os resultados do balancete ambiental amazônico são ano após ano piores. Algumas eventuais e muito divulgadas melhorias são apenas fruto de que o fato é “menos ruim” do que se esperava.

Não se trata, nesta breve nota, de revistar todos e cada um dos inúmeros temas cabíveis. Apenas mencionarei alguns mais importantes. Faço referência à decisão, forçada pelos indígenas bolivianos, de não construir o segmento da estrada Villa Tunari e San Ignacio de Mojos, que permitiria a invasão das terras ancestrais por cultivadores de coca e a destruição desse importante refúgio de diversidade biológica. Também incluo o êxito da luta dos indígenas peruanos, especialmente os Ashaninka, que afastaram temporariamente grandes investidores brasileiros que, através das suas empreiteiras, pretendiam construir uma série de barragens social e ambientalmente devastadoras na Amazônia sul do Peru. O terceiro fato foi a majoritária decisão dos cidadãos do Pará, Brasil, que em plebiscito evitaram a manobra para dividi-lo em três novos estados, com gravíssimas consequências negativas para o meio ambiente. O mais triste é que dois desses sucessos se devem muito mais o uso da força que ao da razão, a que sim primou no terceiro. Não sei o que mais pode ser mencionado. Dos acontecimentos realmente importantes, só ficam fatos para criticar.

Exploração dos recursos naturais
O desmatamento continuou igual. O Brasil anunciou uma redução importante do desmatamento em 2011, porém os fatos mais recentes estão desvirtuando parte substantiva das pretensões publicadas. O desmatamento pode ser maior ou menor, um ano ou outro, em função de conjunturas econômicas ou climáticas. No entanto a tendência continua sendo a mesma, ou seja, desmatamento e degradação de florestas em aceleração contínua e sem trégua, na base de mais e mais quilômetros de estradas novas ou “melhoradas” que com a pretensão de unir polos de desenvolvimento e de integrar a região, acessam valiosa madeira de lei, novos lotes petrolíferos, mais áreas de garimpo e, sem dúvida, muita terra para “desbravar”, semeando soja transgênica ou pasto para mais gado de corte. Nos países andino-amazônicos, a extensão de terra abandonada ou degradada, sem uso, continua crescendo sem que os governos façam nada para aproveitá-la, ou para restaurá-la.

A exploração anárquica de ouro, nesta década, já não é privilégio de Madre de Dios, no Peru. Agora está onipresente em toda a Amazônia e especialmente na brasileira. Nem os chineses ficam de fora – eles podem ser vistos nas dragas poderosas que sujam os mais maravilhosos rios da Amazônia. Os esforços do governo peruano por racionalizar essa atividade não parecem ter continuado com o mesmo entusiasmo do anterior ao governo atual.

Belo Monte, a emblematicamente gigantesca hidrelétrica brasileira foi aprovada até pelo Judiciário e assim segue atropelando o senso comum apesar da oposição e, pior, escondendo atrás da sua enormidade outras várias dúzias de barragens na Amazônia brasileira que, em pouco tempo, será igual às outras regiões desse país. Ou seja, que todos seus rios estarão represados, não uma, senão muitas vezes, alagando as melhores terras e matas e destruindo para sempre o que eram ecossistemas valiosos e únicos no planeta. Maravilhas cantadas nas escolas e nas manifestações patrióticas serão reduzidos a sucessões de lagos estéreis.

Imprensa
A imprensa, apesar dos esforços de alguns meios, nunca mostrou bem a realidade do problema Belo Monte e, num exemplo vergonhoso, uma conhecida revista dedicou muitas páginas para desmentir as supostas leviandades de artistas famosos que se preocupam pelo futuro da Amazônia com base em uma “análise séria feita por estudantes”. A leitura dessa nota é revoltante quando pretende “nocautear” os artistas afirmando, por exemplo, que a energia hidráulica é limpa. Os perpetradores desse atropelo jornalístico ignoram, evidentemente, que ninguém mais nega que ademais de seus múltiplos impactos sociais e ambientais, agora se soma a geração significante de gases de efeito estufa, em especial metano e dióxido de carbono. A energia hidráulica tampouco é energia limpa.

Todos ainda parecem esquecer que a energia de origem hídrica deve ser transportada até os centros de consumo mediante longas feridas nas matas, nas quais penetram invasores de todo tipo. Nem as unidades de conservação são poupadas desse atropelo. No final das contas os artistas, como os cientistas e grande parte da sociedade, apenas reclamam que o tema do uso hidrelétrico dos rios seja motivo de um verdadeiro debate e que alguns rios, pelo menos, sejam declarados livres desse uso. Mas o governo se nega a fazer isso, limitando-se a “cumprir a lei” com as audiências públicas e a ordenar a aprovação de estudos de impacto ambiental post mortem, ou seja, após a decisão, quase secreta, de fazer.

Maus exemplos
O ano 2011 será lembrado como o da decisão sobre o Código Florestal do Brasil. Esperava-se que, se revisado, fosse modernizado e reforçado levando-se em conta os desastres “naturais” cada vez mais acentuados nesse país. Ilusão vã, pois com argumentos falsos, pretensamente sociais e econômicos, uma ampla maioria dos que foram eleitos pelo povo para cuidar dos seus interesses aprovaram uma lei que não é apenas um retrocesso, mas também permite e facilita a destruição de vegetação. Provocará ainda mais mortes e tragédias. Obviamente, os grandes interesses do agrobusiness ganharam e, prejudicando a todos, terão lucros ainda maiores. Os poderosos de outros países amazônicos, que sempre ecoam os do Brasil, sem dúvida já estão se preparando para replicar o triste exemplo.

Entenda o 'novo' Código Florestal
Continua, em todos os países, a pressão dos governantes para reduzir a importância dos seus ministérios do meio ambiente e, em especial, para não permitir que eles tenham a capacidade de fazer licenciamento ambiental verdadeiro. A estratégia é simples: como as obras são todas decididas muito antes de qualquer consideração ambiental, para os governos esse processo é apenas perda de tempo. Por isso os governos não dão recursos aos organismos ambientais. Consequentemente, o escasso pessoal técnico que deve analisar os estudos, em geral jovens e sem experiência, não tem competência para fazê-lo bem e com eficiência.

Para resolver esse gargalo construído pelo próprio governo, o Brasil passou, neste ano, uma norma que com o pretexto de descentralizar e agilizar o licenciamento praticamente acaba com qualquer resquício de seriedade. Na mesma linha o presidente do Conselho de Ministros do Peru alertou que não toleraria que estudos de impacto ambiental requeiram mais de seis meses para serem feitos e aprovados. Logo retirou o dito. Voltando ao Brasil já é bem conhecido que a excelente ideia e prática de dispor de um Conselho Nacional de Meio Ambiente, com poder resolutivo, que foi um exemplo mundial, é agora essencialmente ornamental. Outro retrocesso que será bem aproveitado nos demais países da região.

O Brasil tem outros maus exemplos para a sua região de influência. Neste ano foram contabilizadas mais de trinta propostas de eliminação, redução de tamanho ou de degradação a categorias menos protegidas de unidades de conservação. Muitas foram prejudicadas e as ameaças sobre outras se multiplicam. Enquanto isso, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) continua com um financiamento pífio que não lhe permite fazer um manejo sequer próximo a um standard internacionalmente aceitável. Suas autoridades sempre são as mais rápidas e prestativas a aceitar cortes e prejuízos para as áreas protegidas que deveriam proteger. A sociedade, em especial o governo promotor do desenvolvimento, ainda não compreendeu a grande oportunidade que as unidades de conservação oferecem para exibir um completo, bem manejado e bem equipado sistema de áreas protegidas que, como bem se sabe, é a coluna vertebral da conservação da diversidade biológica ou, dito de outra forma, é a sua reserva de seguridade biológica. O custo de fazer isso representaria uma pequena parte do orçamento anual.

Pagamentos por serviços ambientais
Também é ruim a evolução da politicagem desenvolvida por algumas lideranças indígenas, especialmente as peruanas, contra as iniciativas conhecidas como REDD e REDD+, acusadas de serem produtos do mais sinistro imperialismo e de prejudicar aos indígenas. Estas iniciativas, embora perfectíveis, são até agora o melhor esforço desenvolvido para recompensar os povos que cuidam da floresta. Essas lideranças e seus assessores, se negando a dialogar fora do marco do ativismo político e com um mínimo de sensatez, estão prejudicando os povos que dizem representar.

Tampouco faz sentido o Bolsa Verde, programa do governo brasileiro. É evidente que o único propósito dessa medida é aliviar a pobreza aos povoadores rurais em nome da conservação da natureza e que, contrariamente ao anunciado propósito, pode acelerar o desmatamento. Mais sensata é uma medida do governo peruano que já este ano distribuiu dinheiro exclusivamente a comunidades indígenas que se comprometeram a não desmatar.

IIRSA
Já transcorreram mais de dez anos desde que a Iniciativa para Integração da Infraestrutura da América do Sul (IIRSA) foi lançada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Corporação Andina de Fomento (CAF). Foram feitos centenas de estudos na sua maior parte muito sérios e bem documentados, demonstrando seus erros, sua imprudência, seu descaso da lógica e seu nauseabundo impacto social e ambiental. Dúzias de milhares de artigos foram escritos contra ela por gente de esquerda, o que é tradicional e por gente de direita, o que é inusitado.

Nada comoveu a poderosa máquina de fazer dinheiro montada pelos mencionados bancos, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil (BNDES), pelos governos sul-americanos e, em especial, pelas grandes empreiteiras que fazem obras sem importar se realmente servem para algo mais que ganhar dinheiro e, claro, pelas empresas que exploram os recursos naturais. Por isso, a loucura de construir barragens e lagos artificiais gigantescos no lugar de se fazer obras eficientes ou estradas que não têm justificativa conforme as regras universais da economia, mas que fazem muito sentido para encher bolsos de alguns privilegiados. Essas são as obras que sempre são aprovadas rapidamente, enquanto as que são realmente necessárias para o desenvolvimento languidescem no esquecimento.

Interesse de quem?
Estradas, ferrovias, hidrovias, mineração, centrais hidroelétricas, exploração de hidrocarbonetos, plantações industriais ou exploração de madeira são, todos, propostos por empresários poderosos apenas em procura de enriquecer e pelos políticos no poder, sem distinção das suas tendências direitistas ou esquerdistas, sempre em nome do desenvolvimento social e econômico das nações. Década após década apenas miséria, fome e enfermidades subsistem ao redor de todas essas obras “indispensáveis” para o crescimento nacional, como demostrado na avaliação dos Objetivos do Milênio.

A pobreza rural e a falta de serviços públicos, especialmente saneamento, são dramáticos nessa região, inclusive nas zonas urbanas. No entanto continua-se fazendo estradas novas sem investimentos em desenvolvimento rural ou em qualidade da vida urbana, continua-se promovendo o turismo ao mesmo tempo em que se financia ou se tolera a destruição das paisagens naturais mais belas do país, continua-se construindo obras que não servem para nada. As nações amazônicas ainda não compreendem o que são as suas “amazônias” e, pior, agora como antanho acreditam que são apenas territórios selvagens a ser conquistados e explorados.

Os esforços denodados, quase heroicos, de tanta gente que desde tantas outras trincheiras lutam pela construção de uma Amazônia verdadeiramente sustentável, com qualidade de vida, equilíbrio entre ambiente e desenvolvimento e paz social são fundamentais para que isso tudo seja mais realidade e menos utopia. Não mencionar seus logros em 2011 não significa acreditar que perderam seu tempo. Apenas significa que o tempo em que suas visões e resultados mudam os fatos ainda não chegou. Confio que a grande mudança chegará antes que seja tarde demais, quiçá em 2012.

(Por Marc Dourojeanni, O Eco, 16/12/2011)
Marc Dourojeanni foi professor e decano da Faculdade Florestal da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru e Diretor Geral Florestal desse país. Atualmente é Presidente da Fundação ProNaturaleza.


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