Nem bem entra o verão e os jornais começam a estampar as fotos de enchentes e a contabilizar os mortos. Começa, também, o jogo de empurra. Políticos se apressam a culpar as chuvas "sem precedentes"; a oposição responsabiliza os governantes; e técnicos acusam a ocupação do solo. Todos têm sua cota de razão, o que é sugestivo de um problema mais geral.
Nós, seres humanos, somos péssimos avaliadores de risco. Temos pavor injustificado de cobras e grandes felinos -ameaças pouco relevantes nos dias de hoje-, mas nos expomos prazerosamente a perigos reais, como fumar, andar em carros velozes e viver no alto de encostas.
Na verdade, só estamos aqui porque, durante a maior parte de nossa existência, as ameaças mais mortíferas eram aquelas contra as quais temos defesas automáticas, que nos fazem fugir antes até de descobrir se o barulho atrás da moita foi provocado pelo vento ou por um leão.
Nos últimos milênios, porém, nosso estilo de vida mudou tanto que os perigos do passado se tornaram fobias mal-adaptativas e os riscos agora prementes são processados como abstrações estatísticas. E somos péssimos em entender estatísticas.
Não que precisemos virar pluviófobos, mas seria bom encontrar maneiras mais eficientes de fazer com que leigos, técnicos e políticos tenhamos uma avaliação mais realista e vívida dos perigos hodiernos. Um exemplo: o risco relativo de a pior enchente do século ocorrer nos próximos 12 meses é baixo (1%). Poucos além das empreiteiras e a turma dos 10% apoiariam fazer um grande investimento para preveni-la. Mas, se indicarmos a probabilidade de a inundação do século ocorrer nos próximos cinco mandatos (20%), a situação já muda de figura.
Desprovidos das defesas instintivas, uma boa comunicação do risco, que mobilize emoções sem falsear os dados, é nossa melhor chance.
(Por Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo, 03/01/2012)