A água do rio Angelim, que corta as comunidades quilombolas de São Mateus e Conceição da Barra (norte do Estado), já contaminada, ganhou aspecto de poluição ainda mais preocupante nos últimos dias, com morte de peixes, forte odor e intoxicação de crianças. As famílias que moram próximas ao manancial atribuem o problema ao constante lançamento de agrotóxicos pela Aracruz Celulose (Fibria) e usinas de açúcar e álcool da região. Sem providências do poder público, em determinadas épocas do ano, o problema se agrava.
É o que acontece neste período, como denunciam os quilombolas. O cenário, segundo eles, se assemelha ao de 1992, quando ocorreu uma mortandade violenta de peixes depois da aplicação de vinhoto – resíduo do processo de destilação do álcool - pela Destilaria Itaúnas S/A e herbicida de alta potência pela Aracruz Celulose e antiga Bahia Sul (Suzano Papel e Celulose).
As agressões ao meio ambiente pelos empreendimentos que deixam ilhadas as comunidades têm conseqüências sérias para os quilombolas, que sempre nutriram relação íntima com as matas, córregos, lagos e rios. Antes da instalação das empresas, eram dos recursos naturais que os quilombolas garantiam o sustento de suas famílias. Os mananciais também serviam de fonte de água, lazer e transporte. Hoje, o rio está cada vez mais próximo de sua morte.
Os quilombolas criticam os órgãos ambientais do Estado, que não cumprem a legislação e ignoram os inúmeros impactos gerados pelas empresas responsáveis pela destruição ambiental. A omissão do poder público intensifica a situação das famílias do antigo território do Sapê do Norte, que vivem em estado de miséria, sem alternativas de subsistência.
No ano passado, a Comissão Especial de Acompanhamento e Apuração de Denúncias Relativas à Violação do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) constatou a insegurança alimentar e nutricional nas comunidades quilombolas. Resultado da ocupação irregular das terras, principalmente pela monocultura do eucalipto, mas também por atividades de fazendeiros e usinas de álcool.
Os extensos plantios de eucalipto e a intensa aplicação de agrotóxicos impedem a produção de alimentos e uso da água pelas famílias quilombolas. A agricultura familiar garantiria uma alimentação diversificada e em quantidade suficiente às comunidades.
Sem isso, restam aos quilombolas apenas a cata dos resíduos de eucalipto, inutilizáveis pela empresa, para produção de carvão. É por essa atividade, porém, que a Aracruz Celulose promove episódios de violência e prisões arbitrárias contra os quilombolas, vítimas constantes também de tentativas de criminalização e sedução da empresa, com falsas promessas.
Atualmente, existem no Estado cerca de cem comunidades quilombolas, localizadas nas regiões sul, norte e serrana, totalizando uma população de mais de 30 mil pessoas.
Os quilombolas lutam há décadas pela recuperação de suas terras exploradas pela Aracruz Celulose desde a ditadura militar. Dos 50 mil hectares a que têm direito, foram reconhecidos oficialmente os territórios Serraria e São Cristóvão, em São Mateus. No ano passado, os quilombolas retomaram 13 hectares em São Domingos e 35 hectares em Angelim I.
(Por Manaira Medeiros, Século Diário, 29/12/2011)