Em Karoo, cobrindo grande parte dos cerca de 1.300 quilômetros entre Johannesburgo e a Cidade do Cabo, este território árido –seu nome significa “terra sedenta”– vê em algumas partes menos chuva do que o Deserto de Mojave.
Mesmo assim, a Shell e várias outras grandes empresas de energia esperam perfurar milhares de poços de gás natural na região, usando uma nova tecnologia de extração que pode exigir mais de 3 milhões de litros de água para cada poço. As empresas também terão que encontrar uma forma de descartar toda a água e sedimentos tóxicos produzidos por cada poço, já que o aterro ou instalação de lixo industrial mais próximo capaz de aceitar o lixo fica a centenas de quilômetros de distância.
“Por aqui, a chuva vem a pé”, disse Chris Hayward, um agricultor magro, coberto de pó, de 51 anos, em Beaufort West, citando um ditado de Karoo sobre quão rara e fugaz é a precipitação na área.
Com seus três border collies magros agachados submissamente ao seu lado, Hayward explicou que teve que abater mais de 600 de suas 2 mil ovelhas no ano passado, porque não havia água suficiente para todas. “Se nosso governo deixar essas empresas tocarem em uma só gota de nossa água”, ele disse, “nós estaremos arruinados”.
A África do Sul está entre o crescente número de países que deseja explorar reservas de gás natural antes inacessíveis, presas em xisto nas profundezas. A tecnologia de extração –fratura hidráulica– promete gerar nova receita por meio dos impostos sobre o gás, criando milhares de empregos para uma das regiões mais pobres do país, e alimentando as usinas elétricas que abasteceriam cerca de 10 milhões de sul-africanos que atualmente vivem sem eletricidade.
Mas muitos dos locais aqui e em outros continentes que estão sendo considerados para exploração, por companhias de gás e petróleo e por governos carentes de dinheiro, ficam em áreas frágeis, onde as autoridades locais dispõem de poucos recursos, força política ou experiência para assegurar que a exploração seja feita em segurança.
Um aumento do interesse
O interesse das grandes empresas de energia na África do Sul e outros lugares significa que o gás de xisto pode vir a redesenhar o mapa global de energia, segundo muitos especialistas.
Michael Klare, um professor de estudos de segurança mundial do Hampshire College, disse que novas fontes de gás natural do xisto podem reduzir a importância geopolítica de países que historicamente são os maiores produtores de gás natural, incluindo o Irã, o Qatar e a Rússia.
A nova prospecção, que conta com forte apoio do governo dos Estados Unidos, representa uma bênção para empresas americanas como Halliburton, Chesapeake Energy e ExxonMobil, que têm maior experiência em gás de xisto, e portanto apresentam grande probabilidade de conquistar muitos contratos lucrativos no exterior.
Mais de 30 países, incluindo a China, Índia e Paquistão, agora estão considerando empregar a fratura hidráulica para extração de gás natural ou petróleo, e o aumento na produção de gás tem gerado interesse na construção de gasodutos e terminais para liquefação do combustível, para que possa ser enviado para mercados distantes.
Mas o entusiasmo no exterior, especialmente em regiões menos desenvolvidas, apresenta riscos, segundo muitos especialistas em energia.
“O grande problema é que toda a empolgação em torno do gás de xisto, grande parte alimentada pelos Estados Unidos, tem levado alguns países, especialmente no mundo em desenvolvimento, a adotar uma postura de explorar primeiro, elaborar uma regulamentação depois”, disse Klare, que escreveu extensamente sobre a forma como as políticas de energia afetam a segurança global.
Uma iniciativa americana
Nos Estados Unidos, onde a técnica de extração por fratura hidráulica foi inventada, o governo está à frente no apoio à disseminação da tecnologia no exterior. Ao longo dos últimos três anos, o presidente Barack Obama promoveu o gás de xisto durante visitas à China, Índia e Polônia. “Nós acreditamos que há capacidade tecnológica para extrair o gás de modo totalmente seguro”, disse Obama em um discurso feito em maio em Varsóvia, onde a embaixada americana foi coanfitriã de uma conferência internacional sobre gás de xisto.
O Levantamento Geológico dos Estados Unidos ofereceu treinamento e tecnologia para os geólogos explorarem o gás de xisto na Europa. A Iniciativa Global de Gás de Xisto do Departamento de Estado, iniciada em 2010, tem orientado muitos países estrangeiros a respeito da fratura hidráulica. Ela organizou meia dúzia de viagens neste ano para que autoridades estrangeiras se encontrassem com especialistas em energia americanos e para visita aos locais de extração nos Estados Unidos.
O site da iniciativa diz que suas metas principais são “obter maior segurança em energia, atingir objetivos ambientais e promover os interesses econômicos e comerciais dos Estados Unidos”.
Preocupação com os efeitos
Alguns economistas e ambientalistas dizem que apesar dos governos dos países mais pobres poderem se beneficiar com a nova receita de impostos e empregos, eles podem não estar dando atenção suficiente aos riscos ambientais da extração. Eles também notam que os moradores locais – que sofrem com a poluição do ar, contaminação potencial da água por vazamentos ou infiltração subterrânea, e o tráfego de caminhões que vem com a exploração– podem ver poucos benefícios.
“Esses projetos já começaram a causar alta inflação dos custos de moradia e serviços locais, e fora alguns poucos felizardos que conseguem empregos temporários em construção, as condições econômicas para as comunidades locais podem na verdade piorar”, disse Doug Norlen, diretor de políticas da Pacific Environment, uma organização de defesa e pesquisa que monitora o financiamento por empresas e pelo governo de projetos de energia no exterior.
Mas Jan Willem Eggink, gerente geral da Shell na África do Sul, disse que o projeto em Karoo pode vir a resultar em milhões de dólares de investimento direto e milhares de empregos para os sul-africanos, o que ajudaria a reduzir a taxa de desemprego no país de cerca de 25%.
“Há um imenso problema de energia na África do Sul”, ele acrescentou, explicando que a demanda por energia está crescendo rapidamente e que o gás de xisto, somado com fontes de energia renovável, poderia ajudar a atender a nova demanda, reduzindo ao mesmo tempo da dependência do país do gás de Moçambique.
Mas neste interior ensolarado, onde o número de ovelhas supera o de seres humanos e moinhos enferrujados que bombeiam água pontilham o horizonte, muitos moradores dizem que prefeririam ver o governo trazer grandes fazendas eólicas e solares, não exploração de gás e petróleo.
“Basta apenas um grande vazamento, um cano trincado ou rachadura no subsolo que os estudos deles não percebam, e uma fazenda administrada por minha família há quatro gerações estaria perdida”, disse Trenly Spence, 44 anos, enquanto desentupia um cano de irrigação que leva água por seus 1.335 hectares, até onde suas 3 mil cabras e ovelhas pastam.
Spence acrescentou que os fazendeiros estão frustrados com a falta de informação por parte dos representantes da Shell sobre que produtos químicos injetariam no solo durante a fratura hidráulica.
Os representantes da Shell disseram que pretendem revelar as informações sobre as fórmulas de fratura hidráulica caso venham a começar a perfurar, mas que estariam limitados pelos segredos comerciais das empresas contratadas.
Nos Estados Unidos, algumas empresas de extração relutam em revelar os produtos químicos utilizados na fratura hidráulica, dizendo que a informação é segredo comercial.
O futuro
Alguns especialistas legais disseram que os Estados Unidos precisam se preocupar mais com o impacto sobre o meio ambiente e outros ao promover a tecnologia de energia no exterior.
David Hunter, diretor do Programa para Lei Ambiental Internacional e Comparativa da Universidade Americana, disse: “Especialmente em projetos de energia, os Estados Unidos e as instituições que os financiam têm o hábito de promover políticas que estimulam um ambiente estável para os investidores estrangeiros, mas que não são do melhor interesse das populações locais”. Na África do Sul, a pressão está crescendo para proceder com cautela.
Após preocupações públicas terem sido levantadas neste ano sobre a exploração na região de Karoo, as autoridades de energia sul-africanas implantaram uma moratória a novas licenças de exploração até fevereiro, para que o governo possa realizar mais pesquisas.
Em julho, a Autoridade de Padrões de Propaganda da África do Sul, um órgão independente que estabelece as diretrizes para as empresas de mídia, determinou que várias das alegações anunciadas pelaShell – inclusive uma que dizia que a fratura hidráulica nunca contaminaria os lençóis freáticos– eram enganadoras ou não comprovadas, de modo que precisavam ser retiradas. A Shell disse que as propagandas eram um reflexo preciso de sua opinião.
“O governo está sob grande pressão para acelerar as coisas”, disse Hein Rust, diretor de gestão de desastre para a região central de Karoo. “Mas eu não acho que essas decisões devem ser tomadas na base da fé ou até que todos os custos sejam conhecidos.”
(Por Ian Urbina, The New York Times / UOL, 02/01/2012)
Tradução: George El Khouri Andolfato