O Conselho Estatal Chinês retirou um bloqueio crucial à construção de uma das mais controversas hidrelétricas do país, derrotando decisivamente os críticos ambientais do projeto – e demonstrando a influência de um dos políticos mais poderosos e ambiciosos da China.
Numa resolução divulgada em 14 de dezembro e que atraiu pouca atenção, o conselho aprovou mudanças aos limites de uma reserva no rio Yang-tsé que abriga muitas espécies raras e ameaçadas de peixe. O efeito da decisão é abrir caminho para a construção da Represa de Xiaonanhai, um projeto de US$ 3,8 bilhões que os especialistas ambientais dizem que inundará a reserva e provavelmente varrerá muitas espécies.
“Esta é praticamente a última reserva na bacia inteira, principalmente depois da construção das Três Gargantas”, o maior projeto hidrelétrico do mundo, disse Qiaoyu Guo, gerente do Projeto Rio Yang-tsé para organização The Nature Conservancy em Pequim. “Haverá um prejuízo dramático para essas espécies”.
A decisão é uma vitória para Bo Xilai, o secretário do Partido Comunista em Chongqing, a megalópole no centro da China onde a represa será construída. Os planos da represa, um dos projetos favoritos de Bo, foram suspensos pelo governo central em 2009 sob pressão dos críticos ambientais.
A aparente retomada da represa entra para a lista de conquistas econômicas da longa lista de Bo desde que ele se tornou secretário do partido em Chongqing em 2007. E oferece a ele outro ponto para se vangloriar no que muitos veem como uma campanha descarada para conquistar um lugar no órgão de governo mais poderoso da China, o Comitê do Politburo, onde sete dos nove membros se aposentam no ano que vem.
O aumento de 16,6% no PIB de Chongqing em 2011 foi o melhor do país, reportou a agência estatal de notícias Xinhua na quinta-feira, e ficou acima da quinta posição de quando Bo assumiu o poder. O crescimento da região continuará a superar o de seus concorrentes em 2012, disse Bo no último sábado segundo o jornal Chongqing Daily.
“Chongqing quer muito esta represa”, disse Guo. “Será um investimento muito grande, ele ajudará a aumentar o PIB a curto prazo, e eles também disseram que precisam de um fornecimento de água mais estável.”
A Represa de Xiaonanhai não pode ser iniciada até que o Ministério do Meio Ambiente da China aprove um estudo sobre o impacto da represa, que os críticos dizem que deve apoiar as previsões dos especialistas de que a reserva de peixes será varrida. Mas a decisão do Conselho Estatal para ajustar as fronteiras da reserva sugere fortemente que uma avaliação favorável foi predeterminada, disseram alguns especialistas ambientais em entrevistas.
Grupos ambientalistas chineses e a The Nature Conservancy lutam há tempos contra a Represa de Xiaonanhai, uma das 19 que foram propostas ou estão em construção na parte superior do Yang-tsé. As represas transformarão o rio de fluxo rápido que vem de sua nascente na província de Qinghai, a 4.870 metros de altura, numa série de lagos grandes e lentos.
Os projetos fazem parte de uma corrida frenética e muito criticada em direção à energia hidrelétrica por parte do governo chinês que, com 26 mil represas como está, já tem mais do que qualquer outro país do mundo. Com 1.760 megawatts, o projeto de Xiaonanhai é comparativamente pequeno para os padrões do Yang-tsé, mas ainda assim tem três quartos do tamanho da Represa Hoover, reportou a revista Scientific American em 2009.
Os críticos dizem que o projeto faz pouco sentido economicamente como criador de empregos temporários. O reservatório inundará 47 quilômetros quadrados de terras aráveis e desalojará 400 mil pessoas, elevando o custo de cada quilowatt de capacidade geradora para US$ 2.144 – três vezes o da represa Três Gargantas, de acordo com Fan Xiao, geólogo que lutou contra o projeto durante anos.
A reserva nacional que os críticos dizem que será destruída pela represa foi, na verdade, estabelecida em resposta aos temores de que a represa de Três Gargantas ameaçasse a população de peixes. Das 338 espécies de peixes de água doce do rio Yang-tsé, 189 vivem na reserva – e muitas dessas não são encontradas em nenhuma outra bacia hidrográfica da China.
Oponentes postergaram o projeto nos últimos anos bombardeando os funcionários públicos com cartas e relatórios documentando o que eles viam como as falhas ambientais e econômicas da represa. A resposta de Chongqing foi lidar com a maior preocupação – a destruição da reserva de peixes raros – movendo a reserva para longe do local da represa.
Quando foi estabelecida em 1990, a reserva cobriu 800 quilômetros de fluxo rápido do Yang-tsé. Funcionários cortaram 150 quilômetros em 2005 para apoiar a construção de outra represa. A última mudança corta outros 100 quilômetros.
“A área de conservação é a última faixa de água com fluxo livre no Yang-tsé que é absolutamente essencial para a reprodução de muitos peixes raros”, disse Li Bo, que lidera o grupo Amigos da Natureza, numa entrevista. “Uma vez que a fronteira da área de conservação for removida, esses peixes não terão espaço suficiente para se reproduzir.”
Bo desempenhou o papel principal para impulsionar o projeto. O jornal South Chine Morning Post reportou esta semana que os ministérios do meio ambiente e da agricultura, que têm autoridade sobre a reserva, recusaram-se a divulgar documentos importantes sobre a redução da reserva.
Mais revelador do que isso, talvez, tenha sido a proposta de reduzir a reserva feita este outono por um painel de 15 especialistas certificados e 15 representantes de agências do governo. A aprovação dos especialistas foi exigida pelo governo central para encaminhar a proposta.
Os críticos tinham esperança de fazer lobby com os painéis, disse Ma jun, ex-jornalista que chefia o Instituto de Assuntos Públicos e Ambientais. Em vez disso, o painel votou unanimemente para aprovar a redução – e disse aos grupos ambientalistas só depois que a decisão foi tomada.
“De certa forma nós esperávamos no fim das contas que eles votassem para apoiar. Mas 30 membros, incluindo especialistas-chave, é uma surpresa muito grande”, disse Ma.
(Por Michael Wines, The New York Times / UOL, 31/12/2011)
Tradução: Eloise De Vylder