Peru vira epicentro de movimento ambientalista cujo objetivo é barrar exploração de minérios, gás e petróleo. Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais relata 122 focos de protesto só no setor de mineração
Anunciado em novembro, um memorando entre a Petroperu e a Braskem para a implantação de um complexo petroquímico em Las Malvinas, sul do Peru, deverá colocar empresas brasileiras à frente do maior empreendimento no país andino.
O polo será abastecido por um gasoduto construído pela Odebrecht, sócia da Braskem. A Petrobras, a outra sócia, explora parte do gás que abastecerá a indústria. Se não houver imprevisto, as três empresas investirão no polo cerca de US$ 9 bilhões, calcula Jorge Barata, diretor em Lima da Odebrecht e do Grupo Brasil, que reúne 42 empresas.
O valor é quase o dobro dos US$ 4,8 bilhões que as mineradoras Newmont (americana) e Buenaventura (peruana) preveem aplicar no que é hoje o maior projeto no Peru, o Conga, em Cajamarca.
Problema: a extração de ouro em Conga foi suspensa no início do mês, depois de uma greve geral que denunciava a poluição de fontes de água e levou o presidente Ollanta Humala a decretar emergência na região.
Enquanto Humala entra em conflito com a base que o elegeu, o Peru vira o epicentro de um movimento indígena, social e ambientalista cujo alvo são obras de infraestrutura e exploração de minérios, gás e petróleo, setores que alavancaram a América do Sul nos últimos anos.
O Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais acompanha os confrontos, auxiliando as comunidades afetadas. Segundo a entidade, há 122 focos de protesto na América do Sul só na área de mineração -em especial no Peru (26), Chile (25), Argentina (24) e Brasil (21).
Resistência
"A região está em ebulição, em resistência", diz Andressa Caldas, da ONG brasileira Justiça Global, que integra a campanha contra Belo Monte e a Plataforma BNDES, criada para monitorar o banco.
Ainda em desenvolvimento, o projeto Las Malvinas não foi contestado por ativistas. Mas Gregor MacLennan, da americana Amazon Watch, se diz atento, lembrando a mobilização contra o início da produção de gás em Camisea.
A Amazon Watch divulgou o processo no qual a Chevron foi condenada em fevereiro, no Equador, a pagar indenização de US$ 18 bilhões, por poluir a floresta -a empresa está recorrendo). Em novembro, a ONG levou líderes peruanos da etnia shuar ao Canadá, para testemunhar contra a mineradora Talisman.
No Peru, as operações suspensas por protestos neste ano incluem mais duas minas (canadense e americana) e quatro de cinco hidrelétricas previstas em acordo com o governo Lula. No resto da vizinhança, três projetos de empresas brasileiras já sofreram paralisação temporária.
Mesmo no Chile, que a brasileira EBX diz preferir, junto à Colômbia, por oferecerem maior "segurança jurídica", há um clamor nacional contra hidrelétricas da espanhola Endesa na Patagônia.
As reivindicações começam pela consulta prévia a indígenas afetados, prevista em convenção da Organização Internacional do Trabalho, mas não param aí. Outro tema é a exigência de contratação de mão de obra local.
Na Argentina, a Vale, alvo de uma frente global de "atingidos" por suas atividades, fez acordo para contratar 75% dos funcionários na província onde explora potássio.
As empresas argumentam que dão contrapartidas sociais e respeitam as leis nacionais. O embaixador brasileiro no Peru, Carlos Alfredo Teixeira, afirma que a cadeia do plástico deverá gerar 60 mil empregos no sul. "Posso garantir que tudo está sendo feito com o máximo de cuidado social e ambiental."
Parte dos ativistas, porém, vê nos programas de "responsabilidade social" tentativas de "comprar" comunidades. O movimento não é homogêneo. Uma parte propõe mudança radical no modelo de exportação de commodities; outra apoia a redução de danos pela "economia verde", que busca no mercado solução para o nó ambiental.
A Conservação Internacional assessora o governo do Equador no programa Sócio Bosque, que remunera comunidades que preservam a floresta. "Fazemos tudo com base em ciência. Procuramos replicar bons exemplos", diz Fabio Scarano, diretor executivo da ONG no Brasil.
Governantes de esquerda do Equador e da Bolívia acusam o movimento de ser manipulado por interesses contrários ao desenvolvimento. Andressa Caldas refuta a tese. "O revival do discurso nacionalista-ufanista de segurança nacional, de proteção da Amazônia, me parece paupérrimo", afirma.
Divergência sobre convenção da OIT alimenta conflitos
Sob a observação de investidores, o governo Ollanta Humala definirá nas próximas semanas como interpretará a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que estabelece o direito das comunidades indígenas à consulta prévia sobre projetos que as afetarão.
O princípio é aceito pelos países da região, mas a forma como a consulta deve ser feita agita o debate da Amazônia à Patagônia. Para os governos, os indígenas não têm a última palavra. Ou seja: uma etnia não pode impedir a exploração de uma jazida de ouro sob seu território se isso representar ganho irrefutável para todo o país.
O Brasil considera que essa também é a interpretação da própria OIT, desde que a consulta seja "de boa-fé".
Cinco organizações indígenas peruanas formaram um pacto de unidade para pressionar o governo. Elas defendem que em ao menos oito casos específicos, incluindo traslado de população ou depósito de produtos tóxicos na zona, as comunidades têm de dar seu "consentimento".
O "consentimento" não está na convenção da OIT, mas na Declaração da ONU sobre os Povos Indígenas, de 2007. Todos os países sul-americanos aprovaram a declaração, mas consideram que ela não tem força jurídica.
"Não estamos pedindo poder de veto indeterminado. Falamos de situações específicas, que põem em risco a continuidade da comunidade. Está na hora de fazer um grande movimento regional, criar um consenso como o que existe contra a pena de morte", explica Raquel Yrigoyen, que assessorou o pacto de unidade.
(Por Claudia Antunes e Flávia Marreiro, Folha de S. Paulo, 27/12/2011)