Hidrelétricas não dão conta, e térmicas, mais poluentes e caras, são ligadas para garantir oferta no auge de consumo. Solução pode ser aumentar a capacidade das hidrelétricas, com a troca de rotores ou a instalação de turbinas
Mesmo com os novos projetos na Amazônia (como Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e Teles Pires), o Brasil enfrenta falta de hidrelétricas para garantir a oferta de energia no horário de pico, principalmente no auge do verão, quando a carga exigida no país bate recordes.
O pior é que a situação está ficando mais grave ano após ano. Para suprir essa falta, o país tem recorrido a uma energia muito mais cara e poluente: as termelétricas. O assunto tem sido tratado apenas em relatórios técnicos de autoridades do setor elétrico.
O uso de térmicas para atender horário de pico começou em 2009 e não parou mais. Segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) -instituição que toma conta da geração de eletricidade no país-, o uso de térmicas para suprir essa demanda é inadequado.
O horário de verão, que redistribui o horário de maior demanda em algumas regiões do país, minimiza o problema, mas não o elimina.
Não é só inadequado do ponto de vista técnico. O uso de térmica custa muito para o consumidor. Dados da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres) mostram que em 2011 o acionamento de termelétricas vai colocar na conta de luz de 2012 uma quantia de R$ 1,4 bilhão.
Esse valor será rateado pela Aneel (agência reguladora do setor de energia elétrica) em 2012. A Abrace afirma que o uso de térmicas para o horário de pico (em vez das hidrelétricas mais baratas) está dentro dos R$ 1,4 bilhão.
O ONS diz que, neste ano, devido ao bom volume de chuvas, não foi preciso ligar térmicas durante os picos de consumo.
Solução
A solução não é simples e passa pelo aumento da capacidade instalada nas grandes usinas. O problema é que o modelo brasileiro remunera as usinas pela energia gerada, não pela capacidade disponível. O governo discute a criação de um incentivo.
Uma hipótese é a de condicionar a renovação das concessões das hidrelétricas, em 2015, ao aumento da capacidade das usinas. Potencial disponível existe. Estudo feito pelo WWF-Brasil afirma que o país pode elevar a capacidade de 67 usinas em 8.093 MW apenas trocando o rotor das turbinas.
Outro estudo, feito pela Abrage (Associação Brasileira das Empresas de Geração de Energia Elétrica), mostra a possibilidade de elevar em 5.214 MW a capacidade de 14 usinas hidrelétricas no país.
Isso seria possível instalando mais turbinas nas barragens, onde já existe espaço para isso. Há casos em São Paulo, nas usinas de Três Irmãos e Porto Primavera.
Ampliar a capacidade das velhas usinas é a única solução, já que o país tem reduzido o tamanho das novas. Para minimizar impactos, principalmente na Amazônia, as novas hidrelétricas não têm reservatório, impossibilitando o acúmulo de água para o período seco. A solução tem sido usar mais as térmicas.
Chuvas aliviam peso de térmicas na conta de luz
Generosas com o sistema elétrico brasileiro, as chuvas de 2011 aliviaram o peso das termelétricas na conta de luz de 2012. Mas tem sido essa "ajuda" que incomoda o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). De 2010 ao início de 2011, o uso das térmicas custou R$ 120 milhões.
"A tendência de deficit de hidrelétrica para atender horário de pico está aumentando, pois construímos usinas sem reservatórios. Ao mesmo tempo, a carga cresce entre 3% e 4% ao ano. Não podemos ficar contando com a hidrologia todo o tempo", afirma Hermes Chipp, diretor-geral do ONS.
Segundo ele, no final do período seco (setembro e outubro), o país pode perder até 8.000 MW em potência de hidrelétricas (falta de água nos reservatórios ou restrições locais). É eventual, mas o país não está livre disso. "Não há risco de desabastecimento no horário de pico. O que ocorre é que, em vez de atender essa demanda com hidrelétrica, muito mais barata, atendemos com térmicas, mais cara."
As autoridades do setor divergem sobre a urgência do caso. O ONS acha que a situação é crítica. A combinação -plausível- entre pouca chuva, alta da temperatura e crescimento maior pode sair caro.
O presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), Maurício Tolmasquim, reconhece o problema, mas não o julga relevante agora. "O Brasil caminha para ter problema em atender horário de pico no futuro, mas não é algo que já se detectou."
Tolmasquim diz que a solução é ampliar a capacidade instalada das usinas hidrelétricas. Antes, o governo quer checar se as usinas possuem a potência prevista quando foram concedidas.
(Por Agnaldo Brito, Folha de S. Paulo, 27/12/2011)