O México nada faz para controlar o bisfenol A, um dos compostos plásticos com efeitos nocivos para a saúde humana
O composto orgânico bisfenol A, proibido ou controlado em outras latitudes por sua toxicidade, continua presente em recipientes para micro-ondas, alimentos enlatados, mamadeiras e embalagens plásticas do México. Este material, também conhecido pela sigla em inglês BPA, é usado na fabricação de resinas para revestir latas de alimentos e bebidas e em plásticos como o policarbonato, matéria-prima de mamadeiras, garrafas de água, equipamentos esportivos, dispositivos médicos e dentais e eletrodomésticos.
É considerado um desregulador do sistema endócrino, que pode imitar a função de hormônios humanos e levar a efeitos negativos. As primeiras fases de desenvolvimento são as mais sensíveis à sua presença, e alguns estudos ligam a exposição pré-natal a posteriores problemas neurológicos.
Apesar da evidência científica, no México “não há medidas contra o bisfenol A”, disse ao Terramérica a especialista em toxicologia Isabel Hernández, do Laboratório de Toxicologia Reprodutiva Feminina do Centro de Pesquisa e de Estudos Avançados do estatal Instituto Politécnico Nacional.
Isabel encabeça, desde 2010, um estudo sobre a qualidade do ovócito em ratazanas expostas ao contato oral com o bisfenol, cujos resultados preliminares revelam uma queda na porcentagem de fertilização desses animais. A fase final da pesquisa consiste em verificar possíveis efeitos na ovulação das ratazanas. “Parece que não há efeito, mas falta examinar o nível de hormônios”, explicou a especialista. O estudo, programado para terminar em fevereiro de 2012, será publicado em revistas especializadas e apresentado na reunião anual da Sociedade de Toxicologia dos Estados Unidos em março próximo, na cidade de São Francisco.
O BPA, fabricado por empresas como Bayer e Dow Chemical, já foi proibido completamente no Canadá e parcialmente na União Europeia, Turquia, Costa Rica e no Brasil, entre outros países, levando especialistas a temerem que os estoques tenham sido enviados para nações em desenvolvimento, como o México.
Nos Estados Unidos, a governamental Administração de Medicamentos e Alimentos propôs a adoção de uma regulamentação, enquanto a tentativa da Agência de Proteção Ambiental de incluir o bisfenol A e outros químicos em uma lista de “substâncias preocupantes” foi bloqueada pela Casa Branca.
Entretanto, pelo menos oito Estados norte-americanos têm leis proibindo o BPA na produção de mamadeiras, embalagens de leite em pó e outros produtos infantis, enquanto outros 17 introduziram este ano projetos para regular seu uso. No México, o que há de mais próximo a uma norma é uma regulamentação do Ministério do Trabalho e da Previdência Social sobre condições de segurança e higiene nos locais de trabalho onde se maneje, transporte, processe ou armazene substâncias químicas capazes de gerar contaminação no ambiente de trabalho.
“Deve ser proibido. É parte do coquetel de químicos que recebemos nos alimentos processados. A defesa da indústria se centra em que as doses são baixas e não representam risco algum”, disse ao Terramérica o diretor do grupo não governamental O Poder do Consumidor, Alejandro Calvillo. Neste país são produzidos mais de quatro milhões de toneladas de plástico por ano, a maioria sacos, filmes e garrafas, segundo dados da indústria do setor.
Dois estudos recentes abordaram a presença do bisfenol A no México. Um trabalho de pesquisadores da Universidade Autônoma de San Luis Potosí, do Instituto Potosino de Pesaquisa Científica e Tecnológica e da espanhola Universidade de Granada, publicado em abril no Bulletin of Environmental Contamination and Toxicology, encontrou desreguladores endócrinos, como o bisfenol A, em diversos produtos.
Diferentes tipos de ftalatos (compostos também usados na fabricação de plásticos) e bisfenol A, em diversas formas, foram encontrados em mamadeiras e recipientes para micro-ondas, conclui a análise “Migração de Ftalatos e Bisfenois em Latas de Alimentos e Recipientes Plásticos para Alimentos Mexicanos”.
A mostra incluiu 24 latas de vegetais, como pimenta jalapenha, champignon e cenouras, quatro recipientes plásticos para micro-ondas, 12 para alimentos e seis mamadeiras, comprados em supermercados do Estado de San Luis Potosí. “Os recipientes plásticos são reutilizados em lares mexicanos para guardar e esquentar comida no micro-ondas, expondo os alimentos a altas temperaturas e, dessa forma, aumentando o risco de migração”, afirma este estudo.
A pesquisa “Exposição ao Bisfenol A na Cidade do México e Risco de Prematuridade: um Estudo-Piloto de Casos e Controles Aninhados”, publicada na revista especializada Environmental Health em outubro de 2010, estudou pela primeira vez o BPA em mulheres grávidas deste país. O composto foi detectado em 80% das 60 amostras de urina de grávidas entre 2001 e 2003, por pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Pública do México, das universidades de Michigan e Harvard e dos Centros para o Controle e a Prevenção de Enfermidades dos Estados Unidos.
Também foi encontrada evidência preliminar de que as mulheres que deram à luz de forma prematura apresentavam maiores concentrações de BPA do que as que deram à luz no tempo normal.
Em novembro de 2010, um painel de especialistas, convocado pela Organização Mundial da Saúde e pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, decidiu não recomendar novos limites ou proibições do bisfenol, alegando incerteza sobre seus possíveis efeitos adversos. A União Europeia, que este ano proibiu a fabricação e a importação de mamadeiras com BPA, estabeleceu que a dose diária tolerável é de 0,05 miligramas de BPA por quilo de massa corporal.
É preciso “informar e expor as autoridades ao problema”, disse Alejandro, “para que assumam suas responsabilidades, para que respondam e argumentem”, acrescentou.
(Por Emilio Godoy, Terramérica / Envolverde, 19/12/2011)