O mundo das palavras é sempre muito fértil, costuma permitir interpretações diferentes para o mesmo objeto descrito - às vezes, até contraditórias entre elas. Quando esse mundo das palavras adentra o território da diplomacia, os resultados podem ser ainda mais surpreendentes - e este é o caso do desfecho da reunião da Convenção do Clima, no último domingo, em Durban.
Como as negociações continuavam emperradas, a linguagem diplomática encarregou-se de superar as últimas resistências a uma declaração de intenções, considerada por muitos participantes e representantes de governos - inclusive o brasileiro - como um "documento histórico", em que "todos os países convergiram para o mesmo objetivo".
E aonde se chegou, afinal? Exatamente ao que estava previsto há meses e foi registrado em artigo neste espaço: por falta de consenso entre os participantes - que impossibilita aprovar documentos que tornem obrigatórias as decisões -, ficar-se-ia apenas numa declaração de intenções, em que os países anunciariam o desejo de chegar até 2015 (ou 2020) a um documento "vinculante" (obrigatório), com os signatários se comprometendo a reduzir, a partir daí, suas emissões de gases poluentes que intensificam mudanças climáticas.
A declaração de Durban foi mais longe ao não estabelecer sanções para quem não cumprir o prometido.
Paralelamente, aprovou-se uma prorrogação, até 2017 (como queriam os países-ilhas, União Europeia e Brasil propunham 2020) do Protocolo de Kyoto, pelo qual, em 1997, se estabeleceu que os países industrializados reduziriam suas emissões em 5,2%, calculadas sobre as de 1990.
Até hoje essa decisão não foi cumprida, os países industrializados aumentaram suas emissões. Mas era importante ter em vigor um documento como o de Kyoto, porque a ele está vinculado o Mecanismo do Desenvolvimento Limpo, pelo qual um país industrializado (ou uma de suas empresas) pode financiar em outro país projeto que leve à redução de emissões e contabilizar essa redução em seu balanço próprio.
E hoje há um "mercado mundial de carbono" que já envolve muitos bilhões de dólares; como ficaria sem o protocolo? Então, Kyoto continua. E com todos fechando os olhos para a ausência de Japão, Rússia, Canadá e para a falta de consenso.
Será cumprida a intenção aprovada nesse roteiro de Durban? Os antecedentes não levam a muito otimismo. Em 2008, na Indonésia, aprovou-se o chamado "roteiro de Bali", pelo qual se desenhou o caminho que deveria levar em 2009, na reunião da convenção em Copenhague, a um acordo com obrigações de redução de emissões.
Mas na Dinamarca a diferença de posições entre EUA e países industrializados, de um lado, e os "emergentes", de outro, fechou as portas a um acordo - com os emergentes lembrando que a obrigação mais antiga e maior de reduzir emissões era dos industrializados e os industrializados dizendo que sem os emergentes de nada adiantaria a decisão, já que estes são hoje os maiores emissores (China, Índia e Brasil estão entre os cinco maiores). Com o impasse em Copenhague, transferiu-se a decisão para 2010 em Cancún. Mas ali o impasse também persistiu.
Agora, aprovada a declaração de Durban, incluídos os emergentes, pergunta-se: o Congresso dos EUA aprovará a redução de emissões no país, desbloqueando o caminho - ao contrário do que tem feito até agora? E se os EUA ou outro país não cumprirem, o que acontecerá? Não há sanções previstas.
A primeira proposta de texto dizia que ele teria força legal, mas o impasse levou a uma redação que tornou tudo mais vago, ao ser modificada para "um resultado acordado, com força legal", que possa ser aprovado em 2015 e entre em vigor em 2020, com metas obrigatórias de redução de emissões para todos os países.
Também se aprovou a criação do fundo que porá US$ 100 bilhões anuais de contribuintes industrializados à disposição de outros países para enfrentarem os problemas do clima. Mas não se definiu quem contribuirá e com quanto. Nem com que tecnologias.
Curiosamente, o Brasil, depois de receber de ambientalistas o troféu "Fóssil do Dia", pela proposta de novo Código Florestal, recebeu também elogios do secretário-geral do Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Achim Steiner, pois, a seu ver, o País não deve ser criticado por causa desse projeto, "porque nenhum país fez o que o Brasil fez para combater emissões nos últimos dois anos".
É discutível, se considerados os compromissos de redução como "voluntários" e verificáveis só quando possível confrontá-la com o que seriam esses poluentes em 2020.
Além disso, há outros estudos a demonstrar que o País continua emitindo acima de dez toneladas anuais de carbono por habitante, segundo estudo do renomado Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial. A própria redução de emissões na área do desmatamento precisa ser encarada com cautela, uma vez que tomou como base de comparação anos de desmatamento muito mais alto e grande parte da redução coincidiu com a crise econômica de 2008-2009 e queda das vendas de produtos amazônicos.
De qualquer forma, ainda é um desmatamento alto, acima de 6 mil quilômetros quadrados anuais, sem levar em consideração áreas cobertas por nuvens (que impedem o registro por satélites) ou onde o desmatamento é seletivo, sem corte raso de toda a vegetação.
Para completar: cientistas dizem que para não haver uma expansão dramática nos "eventos climáticos extremos" não se devem ultrapassar 2 graus Celsius no aumento da temperatura da Terra (já subiu 0,8 grau) - e para isso as emissões não podem superar 32 bilhões de toneladas anuais de carbono (mas com aumento de 6%, em 2010 elas já chegaram a 30,6 bilhões de toneladas).
Superado esse ponto, a temperatura poderá aumentar entre 3,5 e 5 graus neste século. Iniciar só em 2020 o cumprimento das intenções de Durban é compatível com essa advertência?
(Por Washington Novaes, O Estado de S. Paulo / IHU On-Line, 16/12/2011)