Cientistas provocam mutações no vírus da gripe aviária e o deixam mais potente; alguns defendem que os resultados não devem ser publicados
Há muito tempo epidemiologistas debatem o potencial pandêmico da H5N1, mais conhecida como gripe aviária. Por um lado, o vírus não parece uma grande ameaça, já que não se propaga de forma muito eficiente entre seres humanos: provocou menos de 600 casos conhecidos de gripe humana desde o seu surgimento, em 1997. Por outro lado, quando se espalha pode ser mortal: quase 60% dos infectados morreram devido ao vírus.
Algumas pesquisas sugerem que quaisquer mutações que aumentem a capacidade de propagação do vírus entre seres humanos irão torná-lo menos mortal. Porém, estudos recentes ainda não publicados, feitos por Yoshihiro Kawaoka, da University of Wisconsin, em Madison, e Ron Fouchier, do Centro Médico Erasmus, na Holanda, mostram o contrário.
Trabalhando separadamente, cada um se deparou com uma combinação de mutações (cinco, no caso do Dr. Fouchier) que torna o H5N1 transportável pelo ar (propiciando sua rápida disseminação entre pessoas), sem torná-lo menos mortal.
Em experimentos de laboratório, furões (modelos animais comumente usados nesses estudos, por reagirem ao vírus da gripe de modo similar ao dos seres humanos) infectados com este mutante contaminaram outros de sua espécie em gaiolas próximas. Uma proporção significativa de indivíduos infectados morreu.
Iniciativas para publicar esses resultados têm sido preocupantes. Os críticos afirmam que divulgar metodologias ou sequências de genes equivale a fornecer uma receita fácil para bioterroristas em potencial. Eles temem ainda que esses vírus artificiais possam escapar do laboratório.
Defensores contra-argumentam que a ameaça de uma pandemia global, na qual esse mutante surgisse no ambiente natural, é muito maior que a do bioterrorismo. Entender qual combinação de mutações poderia transformar o H5N1 em uma pandemia humana ajuda os epidemiologistas a saberem o que buscar na natureza e lhes dá vantagem sobre o preparo de medidas preventivas.
Podem, por exemplo, testar vacinas de H5N1 e drogas antivirais existentes contra o novo vírus em laboratório, antes de ele emergir efetivamente no mundo natural.
Os dois artigos estão sendo revistos pelo National Science Advisory Board of Biosecurity (NSABB), que recomendará aos pesquisadores e editores de periódicos como proceder. Enquanto isso, a maioria dos especialistas concorda que precisamos de um caminho melhor.
"Isto não é novo para a ciência", afirma Michael Osterholm, diretor do Center for Infectious Disease Research and Policy da University of Minnesota, em Twin Cities, e membro da NSABB. "Há 70 anos físicos realizam um trabalho delicado, confidencial e necessário, incluindo pesquisadores acadêmicos. Temos que encontrar uma forma de fazer o mesmo na ciência da saúde, trabalhar com agentes que produzam informações importantes, sem comprometer a nossa segurança e proteção."
(Por Cynthia Goldsmith, Scientific American Brasil, 12/12/2011)