No embate sobre o novo Código Florestal, o que não falta são pontos que apontam no sentido contrário às propostas da agricultura familiar, dos movimentos sociais e organizações ambientais.
Um desses pontos é a chamada mercantilização da natureza, um dispositivo que permitirá que as áreas de conservação – tanto as Áreas de Preservação Permanente (APPs) quanto as Reservas Legais (RLs) – se transformem em títulos especulativos comercializados na Bolsa de Valores.
Ou seja, grandes proprietários que desmataram suas áreas de preservação não precisariam mais fazer a recomposição. Bastará apenas que comprem títulos de outras áreas que se destinariam somente para essa função, as chamadas Cotas de Reservas Ambientais (CRA).
“Isso transformará a floresta em uma commodities. Sai os órgãos de fiscalização que servem para o cumprimento da lei – como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) - e entra o mercado de florestas, com a conservação se dando pelo pagamento financeiro”, explica a advogada Larissa Ambrosano, da organização da Terra de Direitos.
Como funciona
Por exemplo, um agricultor em São Paulo que não tem RL e/ou APP em sua propriedade poderá compensar sua área arrendando outra no estado da Bahia (pois a compensação ainda permite que seja feita no mesmo bioma e não obriga que seja na mesma microbacia). O arrendatário receberia mil reais por ano e, por contrato, não poderia mexer na área por pelo menos 15 anos, pois ela se tornaria numa espécie de tombamento privado.
Além de arrendar, se criaria um título (CRA) e obrigatoriamente passaria a negociá-lo na Bolsa de Valores. “Quem continua ganhando com isso é o agronegócio, que além de já compensar em outro local, ainda consegue emitir esses títulos. Enquanto os camponeses recebem mil reais por ano para deixar a área sob servidão ambiental, os grandes ganham R$100, R$200 mil sobre cada título na Bolsa”, explicita Larissa.
Estratégia
Para a advogada, todo esse avanço sobre os bens naturais faz parte de um “movimento internacional do capitalismo”. Desde a crise de 2008, há uma tentativa de acumulação do capital financeiro que, ao não ter lastro em nenhum lugar, procurou se apoderar de terras e outros recursos naturais.
Essa lógica se dá desde a década de 1960, com o interesse de colocar preço sobre as formas de vida e os recursos naturais, como a patentização das sementes, créditos de carbono.
“E quando uma mercadoria ganha valor? Com a lei da oferta e da procura. Quanto mais floresta degradada, maior será o valor do título florestal, por se tornar mais raro”, coloca.
Toda essa movimentação acaba por gerar o que se chama no mundo de "a nova bolha verde". “É a nova fase de acumulação primitiva do capital sobre bens que até então estavam fora do comércio”, acrescenta.
Inconstitucionalidade
Todavia, como explica a advogada, a estratégia empregada pelo capital esbarra na Constituição brasileira. O artigo 225 diz que as florestas e a biodiversidade são bens comuns do povo, ou seja, são bens inapropriáveis e inalienáveis.
Entretanto, na contramão da constitucionalidade, segue uma “lógica arquitetada da financeirização sobre os bens comuns naturais”, como os créditos de carbono (sendo essa a pauta mais discutida nos encontros internacionais sobre as mudanças climáticas), as parcerias público-privadas das unidades de conservação, concessões de florestas públicas e pagamentos por serviços ambientais, cujos governos, inclusive o brasileiro, estão sendo cúmplice.
Essa jogada introduzida na discussão do Código Florestal serve, além de tudo, para introduzir os territórios camponeses na lógica do capital.
“Nessas últimas décadas, conseguimos a duras penas algumas áreas para a agricultura familiar e camponesa trabalhar com outro modelo de agricultura. Mas a partir do momento em que esses agricultores assinarem os pagamentos por serviços ambientais, a área se torna objeto do contrato e estará sob servidão ambiental de no mínimo 15 anos, deixando de utilizá-la para a produção agrícola”, alerta Larissa, sendo que estes são responsáveis por 70% dos alimentos que vão para a mesa dos brasileiros.
(Por Leandro Carrasco e Luiz Felipe Albuquerque, MST, 09/12/2011)