Contrariado com a última versão do projeto de reforma do Código Florestal, o governo do Amapá promete questionar no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade da nova lei, caso a Câmara dos Deputados mantenha e a presidente Dilma Rousseff sancione o texto recém-aprovado pelo Senado.
O alvo do provável recurso é um dispositivo que vale exclusivamente para propriedades rurais do Estado e diminui, de 80% para 50%, a preservação obrigatória de mata nativa no bioma amazônico.
Nos cálculos do governo estadual, apenas 1,5% das florestas tropicais no Amapá foi desmatada até hoje. Se a redação atual do Código Florestal for mantida, o desflorestamento pode aumentar para 4% em um prazo de dois anos, segundo projeções oficiais.
Uma emenda do senador Romero Jucá (PMDB-RR), incorporada ao código durante sua tramitação na Comissão de Meio Ambiente do Senado, prevê a redução da reserva legal para "até 50%" nos imóveis rurais de Estados onde unidades de conservação da natureza de domínio público e terras indígenas homologadas representam mais de 65% de todo o território estadual.
Na prática, o Amapá é o único Estado que se enquadra nessa classificação, com 70% de seu território coberto por unidades de conservação. Baseado na argumentação de que não se pode criar legislação federal específica para um Estado, o Amapá alimenta a ideia de entrar no Supremo com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra esse dispositivo.
"Não queremos possibilidade nenhuma de supressão da vegetação nativa", afirma o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que articula o recurso ao Supremo junto com o governo estadual. "Nós aprendemos a conviver com as florestas e queremos dar uso sustentável a elas, mantendo-as em pé", completa.
Randolfe tentou, até a votação do Código Florestal em plenário, na semana passada, derrubar esse dispositivo. O relator do projeto, Jorge Viana (PT-AC), defende o texto aprovado e sublinha a importância de duas mudanças à emenda original.
A diminuição para 50% da reserva legal no bioma amazônico do Amapá - fora das unidades de conservação, obviamente, que continuam intactas - poderá ocorrer apenas após a conclusão de um zoneamento econômico-ecológico e com a concordância do conselho estadual de meio ambiente.
O Amapá ainda não tem zoneamento, e fazê-lo demora pelo menos três anos, conforme lembra Jorge Viana. Além disso, somando as unidades de conservação, "não há possibilidade" de o território do Amapá ficar com menos de 82,5% de cobertura de mata nativa no bioma amazônico. "Há muita desinformação. Temos que jogar pelo Brasil, não para a plateia", diz o senador.
O secretário estadual de Meio Ambiente, Grayton Toledo, afirma que o texto final do Senado é prejudicial ao Amapá e deve motivar uma ação de inconstitucionalidade no STF. Há poucas chances de mudança do texto na Câmara.
As atenuantes criadas por Jorge Viana - o zoneamento ecológico e o aval do conselho - não suavizam o problema, acredita o secretário. Para ele, se um futuro governo tiver a intenção de explorar áreas hoje preservadas, o caminho estará aberto. "Abre-se um precedente muito grave. Ficamos à mercê da vontade política amanhã. Não se deve abrir nenhuma brecha", defende Toledo.
"O senador Romero Jucá argumentou que as restrições atuais cerceiam o desenvolvimento do Estado. Não sei de onde ele tirou isso. Ele não falou comigo, não falou com os senadores da bancada do Amapá, não falou com o governador", diz o secretário.
De acordo com Toledo, o bioma amazônico está em 80% do Estado, que tem áreas também de cerrado e várzeas. Apenas 1,5% da floresta amazônica no Amapá foi desmatada até hoje. Segundo ele, com as alterações, esse percentual mais do que duplicará nos próximos dois anos.
(Por Daniel Rittner, Valor Econômico / IHU On-Line, 12/12/2011)