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cop/unfccc plano climático onu
2011-12-07 | Rodrigo

Hoje (6) foi a abertura oficial do “segmento de alto nível” da COP17, como é chamada a fase política, nem sempre a cargo de ministros, mas sempre menos dependente de detalhes técnicos. Como brincam os jornalistas na sala de imprensa, um dia “sem lide”, ou seja, sem notícia realmente relevante para abrir as matérias. Ou, então, o lide é velho: nada se pode esperar de relevante de uma assembléia da ONU.

A esperança, na semana passada aqui em Durban, era que os negociadores pudessem fechar a maioria das questões pendentes para tornar o Acordo de Cancún plenamente operacional. Mas não foi possível. Há objeções importantes ainda a serem negociadas em relação ao Fundo Verde para o Clima, ao Centro e Rede de Tecnologia e ao apoio técnico e financeiro à adaptação dos países mais vulneráveis à mudança climática. Em outras palavras não estão conseguindo sequer fechar o “pacote Cancún”.

Tudo está ainda em negociação. O principal tema político, que é negociado em “duas trilhas”. Numa, se discute o segundo período de compromissos para o Protocolo de Quioto. Noutra, o futuro regime legal que abrangerá todos os países e substituirá o Protocolo, o Acordo de Copenhague e o Acordo de Cancún, a partir de 2020.

Há dificuldade de negociar até mesmo o que já foi decidido, como o detalhamento do Acordo de Cancún. Várias questões, como financiamento e tecnologia, foram decididas em Copenhague, em 2009, e oficializadas em Cancun, no ano passado. O Fundo Verde para o Clima, por exemplo, foi aprovado em Copenhague, a partir de uma proposta apresentada pelo premiê da Etiópia, Meles Zenawi que, inclusive, falou hoje na abertura oficial do segmento de alto nível.

A proposta foi bastante bem formulada e seu desenho contou com a participação do economista britânico Nicholas Stern. Era uma ideia vinda da Europa, endossada por Zenawi e outras lideranças dos países em desenvolvimento. Aprovada em Copenhague, foi reafirmada e oficializada em Cancún, mas não ficou completamente operacional.

Faltou acordo sobre a governança do fundo: qual a relação com a COP; quem decide os projetos; qual o papel de doares e receptores; quem administrará os recursos, um banco, como o Banco Mundial, ou ele teria personalidade jurídica própria e poderia ser auto-gerido.

Um negociador do BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China) me disse que a maioria do G77+China quer que o fundo fique sob a responsabilidade da COP. O negociador-chefe do EUA, Todd Stern, disse em uma de suas coletivas de imprensa, que seu país admite que o Fundo atue sob a orientação, mas não sob a autoridade e gestão da COP.

“A COP é composta de excelentes negociadores”, disse, “mas sinceramente eles não têm competência para gerir um fundo de várias dezenas de bilhões de dólares. O Fundo precisa ter uma gestão profissional.” Stern tem toda razão nesse ponto, mas é minoria. Como tudo é por unanimidade e o EUA deve ser doador, tem pleno poder de veto. E usará esse poder.

Um negociador do G77+China me disse que os países que recebem do Fundo querem ter decisão sobre como esses recursos serão liberados e usados. É complicado. Dar a quem é beneficiário ingerência sobre as decisões sobre o uso dos recursos não faz sentido algum tecnicamente. É uma receita perfeita para o mau uso e a insolvência.

Países receptores podem participar da definição de projetos a serem financiados, deliberar sobre as prioridades domésticas a serem financiadas pelo Fundo, mas não sobre as regras para esse uso. É uma demanda que não deve contar com a boa vontade de doares, particularmente do EUA. Outra possibilidade de veto e impasse.

Muitas vezes falta bom senso às exigências e condicionalidades interpostas pelos países e travam a negociação. Não há regras sobre como lidar com a falta de senso. Acontece de parte de todas as partes. Dadas as regras da UNFCCC, às vezes não ser razoável, não usar o bom senso e impor condições pouco realistas pode ser uma boa estratégia.

Um jornalista perguntou, hoje, ao Secretário-Geral da ONU se, diante de tantos impasses, por tantos anos, não há algo errado com as regras da ONU.  Ban Ki-moon disse que nada há que errado com o processo da ONU. É um problema de difícil solução pelos próprios países-membro. Às vezes falta vontade política.

Mas claro que há problemas com o processo. Não só na UNFCCC, a Convenção do Clima, mas também no Conselho de Segurança e outros organismos das Nações Unidas. Por isso se discute há anos a reforma da ONU, sem resultado. Trata-se de uma máquina que tem enorme dificuldade de produzir decisões. Essas regras têm sérios problemas, sobretudo quando se pretende decisões que mudem o status quo.

O processo decisório está baseado na unanimidade, que dá poder de veto a todos, indiscriminadamente; ou no veto qualificado, que dá poder de veto a alguns países. Como no caso do Conselho de Segurança, no qual ganharam poder de veto os países que eram potência nuclear no auge da guerra-fria. Nunca se mudou.

O EUA se beneficia dessa imobilidade, assim como a China e a Rússia. E nenhum deles reclama. Mas o EUA reclama da divisão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, que é de 1992, e “não muda, apesar de a situação dos países ter mudado muito”. Fica incomodado porque a China, hoje, é um grande emissor e incomoda na economia global.

Já a China está satisfeita em ser tratada como potência no Conselho de Segurança e como país em desenvolvimento, na UNFCCC. É o melhor dos mundos. Washington quer que a China passe a ter tratamento de potência tanto na segurança, quanto no clima.

Na verdade, em situações mutáveis como a que vivemos, seja de segurança global, seja de segurança climática, regras que congelam a situação dos “jogadores”, são por definição, ruins. Em situações de mudança, o status quo é a pior situação. Regras de decisão como as da ONU são para preservar o status quo, não para mudar.

Certamente, não será no contexto da UNFCCC que se terá respostas adequadas à magnitude da ameaça climática, ou às necessidades da ciência, embora todos digam ser isso o que querem. A Convenção do Clima refletirá sempre, com certo atraso, o que os países estão dispostos a fazer e já estão fazendo domesticamente. A idéia de uma solução “de baixo para cima”, no contexto das Nações Unidas é irrealista.

Um bom exemplo disso é a China. Ela faz mais do que se compromete a fazer internacionalmente. Se alguém resolvesse deduzir o que a China realmente pretende fazer sobre mudança climática pelo jogo que joga na Convenção do Clima, diria que faz muito pouco. Mas, ao contrário, ela vem, adotando, sucessivamente, políticas cada vez mais rigorosas sobre mudança climática. Tudo quantificado, com metas, monitoráveis e verificáveis. Mas não aceita colocar nem tudo o que já faz em um tratado internacional.

A Convenção Clima não é o instrumento que se deseja para decidir sobre ações efetivas e urgentes para enfrentar o perigo climático. Nunca será. Sua importância é outra. Primeiro, é importante manter e desenvolver um arcabouço institucional que vá consolidando um regime de governança climática global, ancorado em políticas domésticas cada vez mais robustas.

Estas virão mais rapidamente, do que os consensos nas COPs. Segundo, é um importante instrumento de convivência política global, de tolerância com a diversidade, de exposição aos argumentos e realidades dos outros países. É parte da pré-história de uma sociedade global cosmopolita e de um regime de governança global sem governo, pluralista, democrático e que tenha um mínimo de capacidade de temperar os excessos e moderar os radicalismos. Quem espera muito dessa e de outras assembléias da ONU ficará frustrado.

No fundo, a notícia é essa: não se pode esperar soluções efetivas da ONU, em nenhum campo, e nenhum tema. O que a ONU pode é sacramentar o que os países querem, podem e decidem fazer. Ela estará sempre vários passos atrás das realidades domésticas, nunca à frente.

(Por Sérgio Abranches, Ecopolitica, 06/12/2011)


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