Estados Unidos, China e Brasil disseram hoje (5), em coletivas de imprensa que são favoráveis a um acordo com força legal para todos, a partir de 2020. A União Europeia estabeleceu a definição de um roteiro para se chegar a esse acordo como condição para aceitar um segundo período de compromissos para o Protocolo de Quioto.
Os negociadores-chefe dos três países disseram, também, que seus países já têm metas até 2020, apresentadas em Copenhague e reafirmadas em Cancún. A UE não objeta a essas metas, apenas querem clareza de que serão cumpridas.
O enviado especial para mudança climática do EUA, Todd Stern e o negociador-chefe do Brasil, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, caracterizaram esse futuro acordo para todos, como “sem condicionalidades”. Stern falou, ainda, em “paridade legal”. Figueiredo preferiu falar em “baseado em regras” (rules-based) e “de cima para baixo”, isto é, um arranjo multilateral pelo qual se determina o esforço coletivo a ser feito para combater a mudança climática e depois os países negociam como dividir entre eles essas metas.
O ministro Xie Zenhua, disse, por sua vez, que a China está perfeitamente confortável com um tratado com força legal que a inclua, mas não antes de 2020 e mediante cinco condições.
Os três negociadores disseram que seus países têm metas até 2020, sob o Acordo de Cancún. Figueiredo e Xie adicionaram que suas metas são “legalmente vinculantes” domesticamente, porque se transformaram em lei. Figueiredo mencionou a aprovação da lei de mudança climática pelo Congresso brasileiro. Xie disse que as metas chinesas foram aprovadas pelo Congresso do Povo. Todd Stern disse que todos os países que assumiram metas em Copenhague e Cancún as levam muito a sério e estão executando ações para cumpri-las.
Esta é uma diferença que os dois países do BASIC usam a seu favor, quando comparados ao EUA. Suas metas são lei em seus países, já no EUA, o Senado não aprovou lei similar à votada pela Câmara antes de Obama viajar a Copenhague. Suas metas são, portanto, rigorosamente voluntárias, mas registradas formalmente em um fórum multilateral. Não são legalmente vinculantes sequer no plano doméstico.
O embaixador brasileiro socorreu Todd Stern, nesta questão, ao dizer em sua coletiva que as metas do Acordo de Cancún estão submetidas a um tratado legal, a Convenção do Clima. Não são metas informais, nem tampouco obrigações de natureza compulsória, como as metas do Protocolo de Quioto.
Todd Stern disse que a China não estaria amadurecida para aceitar um tratado legalmente vinculante, nos termos propostos pelo EUA. Um negociador do BASIC explica essa diferença: a China entende a proposta de Washington como pretendendo eliminar o princípio das obrigações iguais, porém diferenciadas como base do futuro acordo. E nenhum país do BASIC aceitaria isso.
Está claro que os negociadores usam a mesma linguagem para dizer coisas diferentes. Mas é certo, também, que esse uso da mesma linguagem não é fortuito, é muito bem pensado, e serve como matéria-prima para que encontrem pontos em comum que permitam fechar o pacote de Durban.
Todd Stern caracterizou a proposta europeia de roteiro, ou mapa do caminho, como definição de um processo pelo qual se chegue a um acordo legal para todos em 2020. O embaixador Figueiredo, preferiu também usar a expressão “processo”, para não confundir o que se está negociando em Durban, com o chamado “mapa do caminho de Bali”, que ainda não foi integralmente cumprido.
O negociador brasileiro mencionou, inclusive, ao falar das aspirações do Brasil para Durban, à plena implementação do Plano de Ação e Mapa do Caminho de Bali e do Acordo de Cancún. Stern não quer decidir de antemão qual a forma legal a que esse processo pretende chegar. Um negociador bem informado disse que, realmente, seria possível negociar o processo, sem predeterminar a natureza completa do resultado final.
Seguramente, a maior coincidência de expressões, que nada tem a ver com o acaso, é exatamente na enumeração do que representaria um bom resultado em Durban. Todos falam na plena operacionalização ou implementação do Acordo de Cancún. Todos se referem às mesmas questões pendentes. Um regime de transparência, ou seja de contabilidade comum das emissões, que seja verificável de alguma maneira.
O desenho completo e a definição do fluxo de recursos para o Fundo Verde para o Clima. Operacionalização dos mecanismos de transferência e cooperação tecnológica e de apoio à adaptação dos países mais vulneráveis à mudança climática.
Essa lista, com alguma diferença de especificação corresponde a praticamente o total das “cinco condições” estabelecidas por Xie Zenhua para aceitar a inclusão da China em um acordo com força legal a partir de 2020. Brasil e China insistem na prioridade para o segundo período de compromissos do Protocolo de Quioto.
A União Europeia diz que não tem dificuldades em assinar um segundo período de compromissos, desde que esteja segura de que os demais países observarão um calendário claro e procedimentos efetivos para chegar a um novo regime legal. O EUA diz que o protocolo não faz parte do escopo de sua participação na COP, não tem porque se opor a que os países que fazem parte dele negociem o segundo período de metas.
Diz, ainda, que concorda com a definição de um processo para se chegar a um futuro acordo comum. Só não estaria disposto a definir antes o formato legal do acordo, sem saber o que ele conteria e quem seria incluído.
Há divergências sérias ainda sobre como tornar o Acordo de Cancún “plenamente operacional”. Elas se referem, por exemplo, a como serão as regras do regime de transparência; à governança do Fundo Verde para o Clima e à garantia de recursos suficientes para que ele possa iniciar sua operação imediatamente; a pendências sobre o detalhamento de outras ações em tecnologia e adaptação. Mas essas discordâncias podem vir a ser resolvidas de forma satisfatória para todos, para que se tenha um “pacote Cancún”, em Durban.
Com relação ao Protocolo de Quioto, o problema não está em ter ou não o segundo período de compromissos. Fora Canadá, Japão e Rússia, os demais países desenvolvidos não se opõem à emenda que instituiria o segundo período de compromissos. Apenas querem ter alguma garantia de que os países que não estão sob o regime compulsório do protocolo também tenham metas até 2020 e que trabalharão concretamente, em paralelo, para definir um regime legal único para após 2020.
Há demandas de outros países para encurtar a vigência do segundo período de compromissos e antecipar a data em que passaria a valer o novo regime único. Mas a data definida pelos grandes acabará prevalecendo. A alternativa seria sair de Durban sem o segundo período de compromissos para o Protocolo de Quioto e sem um processo seguro para os países chegarem a um futuro regime global comum para mudança climática.
Todos os principais negociadores mencionaram também a expectativa em torno da revisão científica das metas apresentadas em Copenhague e oficializadas em Cancún, a partir de 2013, para que estejam prontas em 2015. Não será surpresa se houver alguma menção mais formal à disposição dos países de reverem suas metas para o período 2015-2020, à luz dessa revisão.
Embora o negociador-adjunto do EUA, Jonathan Pershing, tenha dito que seu país não pretende rever as metas para 2020, ele se referia a um novo acordo com força legal. Com relação ao Acordo de Cancún, que prevê essa revisão, Todd Stern, o negociador-chefe, disse que seu país leva suas metas muito a sério, “deadly serious”, foi a expressão em inglês.
A convergência entre esses quatro interlocutores – EUA, China, União Europeia e Brasil – definirá as bases para o resultado das negociações de Durban. Os outros países, se houver acordo entre esses, terão que acompanhar suas linhas, sob pena de sair da África do Sul de mãos abanando. É claro, que, como se viu em Copenhague, a regra da unanimidade permite a ação de “kamikazes”, que preferem derrubar todas as decisões, por não aceitarem o resultado majoritário.
Mas, Cancún criou um precedente de como evitar os “kamikazes” se a maioria avassaladora aderir à solução dominante: “consenso não é unanimidade absoluta”, como definiu a presidente da COP16, Patricia Espinosa.
(Por Sérgio Abranches, Ecopolitica, 05/12/2011)