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hidrelétrica de belo monte convenção 169 da OIT direitos indígenas
2011-12-02 | Rodrigo

“Considero desrespeito aos povos indígenas propor uma consulta feita após as obras estarem decididas”, disse Felício Pontes Júnior, procurador do Pará, ao comentar a decisão de procuradora do Supremo Tribunal Federal – STF, Maria do Carmo, que votou contra o reconhecimento de direitos indígenas no caso Belo Monte.

Felício tem acompanhado de perto as decisões sobre a construção de Belo Monte e analisado os impactos que a obra irá gerar nas comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas que vivem nos entornos do rio Xingu. Para ele, a decisão da desembargadora põe em dúvida a eficácia da Constituição Federal e a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

Após ler o acórdão da decisão do STF, onde constam os argumentos da determinação, Felício Pontes Júnior concedeu a entrevista a seguir à IHU On-Line, por e-mail, e esclarece que “o acórdão consagra o fato consumado em direito ambiental, ou seja, diante da demora do próprio Judiciário em julgar o caso, como a obra está adiantada e existe vontade política do governo de fazê-la, o Judiciário lava as mãos e não pode fazer nada. É inacreditável, mas é esse um dos argumentos da decisão”.

De acordo com o procurador, “ao rebaixar a consulta a uma questão menor, sem importância, o TRF1 na prática atenta contra a sobrevivência dos povos indígenas. O que vai ter reflexos gravíssimos muito em breve sobre as outras 20 hidrelétricas que o governo federal projeta construir na Amazônia até 2020”.

Felício Pontes Júnior é procurador da República junto ao Ministério Público Federal em Belém. Possui atuação nas áreas indígena, ambiental e ribeirinha, e é mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio.

Confira a entrevista.
 
IHU On-Line – Qual foi sua reação ao saber que a desembargadora do Tribunal Regional Federal – TRF1, Maria do Carmo, votou contra a realização da Consulta Prévia dos povos indígenas no caso de Belo Monte? O que a decisão dela significa e demonstra em relação ao direito dos povos originários?
Felício Pontes Júnior –
Fiquei muito triste. O que essa decisão representa é que a Constituição brasileira não tem valor. Não vamos nos conformar com isso. Vamos até o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, para saber se, afinal, nossa Carta Magna ainda é válida no Brasil ou se foi revogada a parte que protege os índios, os quilombolas, os ribeirinhos e o meio ambiente.

Como explicar a decisão da desembargadora, se a Constituição Federal garante a participação dos povos originários em casos como o de Belo Monte?
Pontes Júnior –
Acabei de ler o acórdão dessa decisão, que é o documento final que resume os motivos e argumentos da decisão. E o acórdão consagra o fato consumado em direito ambiental, ou seja, diante da demora do próprio Judiciário em julgar o caso, como a obra está adiantada e existe vontade política do governo de fazê-la, o Judiciário lava as mãos e não pode fazer nada.

É inacreditável, mas é esse um dos argumentos da decisão. Além da própria Constituição, a decisão do TRF1 viola a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, da qual o Brasil é signatário e que tem força de mandamento constitucional no território brasileiro. Não tenho como explicar essa decisão.

A desembargadora declarou que “pouco importa quando os índios serão ouvidos, se antes ou depois da autorização do Congresso”. Qual a importância deles serem ouvidos antes das obras iniciarem?
Pontes Júnior –
Considero desrespeito aos povos indígenas propor uma consulta feita após as obras estarem decididas. O sentido da convenção 169 e da proteção constitucional aos povos originários é que exista o consenso entre os povos indígenas e tribais e o governo central dos países onde vivem esses povos, em caso de empreendimentos que afetem diretamente seus territórios. Como sabemos, terra para índio não é a mesma coisa que para os não indígenas.

Para eles, significa sobrevivência, não propriedade. Por isso é essencial a proteção oferecida pela Convenção, porque constitui a única maneira de garantir a sobrevivência desses povos. Ao rebaixar a consulta a uma questão menor, sem importância, o TRF1 na prática atenta contra a sobrevivência dos povos indígenas. O que vai ter reflexos gravíssimos muito em breve sobre as outras 20 hidrelétricas que o governo federal projeta construir na Amazônia até 2020.

Como as comunidades indígenas receberam a notícia de que desembargadora votou contra a audiência pública?
Pontes Júnior –
Com muita revolta. Tanto é assim que marcaram uma mobilização para esta semana e estão se dirigindo a Altamira lideranças indígenas de toda a região. A revolta também se espalhou por povos indígenas de outros rios, como os Kayabi, Munduruku e Kayapó no Teles Pires, na divisa do Pará com o Mato Grosso, que estão exigindo as oitivas, mas o governo se recusava a fazer. Estabeleceu-se uma negociação do governo com eles, mas ainda não temos segurança de que a consulta será realizada ou como será realizada, tamanha é a pressão do setor elétrico por leiloar mais hidrelétricas.

O que mudou em relação à construção de Belo Monte de acordo com o projeto inicial?
Pontes Júnior –
As mudanças foram provocadas pela intensa mobilização social dos povos da Transamazônica e do Xingu, incluindo índios, ribeirinhos e agricultores que, ao longo de 30 anos, resistem a esse projeto. Mas também possivelmente por um cálculo do setor elétrico de que, se Belo Monte for de fato construída e render menos energia do que se projeta, o que é muito provável, será mais fácil aprovar outras barragens à montante para regularizar o curso do rio. Nessa hipótese, a tragédia ambiental seria incalculável. Mas mesmo que apenas Belo Monte seja construída, o que se diminuiu em alagamento se compensou na seca da Volta Grande do Xingu, cuja água será 80% a 90% desviada para alimentar as turbinas da usina.

Essa seca permanente que vai ser criada na região, considerada pelo próprio governo como de Importância Biológica Extremamente Alta, vai matar a vida na Volta Grande, o que inclui as terras indígenas Arara e Juruna e 273 espécies de peixes, alguns só existentes ali na Volta Grande. É importante desmistificar esse argumento de que a redução no alagamento representa tranquilidade para a região, porque as consequências da seca, em contrapartida, serão trágicas.

Como e quais comunidades indígenas serão afetadas pela construção de Belo Monte?
Pontes Júnior –
A Bacia do Xingu é habitada por 24 etnias que ocupam 30 Terras Indígenas – TIs, 12 no Mato Grosso e 18 no Pará. Todas essas populações seriam direta ou indiretamente afetadas à medida que o Xingu e a sua fauna e flora, além do seu entorno, forem alterados pela usina. Na região de influência direta da usina, três Terras Indígenas seriam diretamente impactadas: a TI Paquiçamba, dos índios Juruna, e a área dos Arara da Volta Grande, que se situam no trecho de 100 km do rio que teria sua vazão drasticamente reduzida e a  área indígena Juruna do km 17, que fica às margens da rodovia PA-415, e seria fortemente impactada pelo aumento do tráfego na estrada e pela presença de um canteiro de obras.

São considerados indiretamente afetadas, as TIs Trincheira Bacajá, Koatinemo, Arara, Kararaô, Cachoeira Seca, Arawete e Apyterewa, Xipaya e Kuruaya que sofreriam impactos como escassez de pesca, pressão de desmatamento, pressão da migração de não índios, pressão fundiária, epidemias como dengue e malária, entre outros.

Segundo o governo, há ainda registros de grupos indígenas isolados em três áreas do Xingu: na Terra do Meio, entre os rios Iriri e Xingu e a Transamazônica; entre os rios Iriri e Curuá e daí até a BR-163; e na Bacia do rio Bacajá. Trata-se de grupos que vêm sendo pressionados pelo avanço da ocupação da região e que, provavelmente, não suportarão por muito tempo, caso perdurem as condições e o ritmo atual desse avanço.

Quais são os limites de Belo Monte, considerando que a usina funcionará de seis a oito meses?
Pontes Júnior –
A usina ficará quase totalmente parada durante a seca no Xingu, que é conhecido como um dos rios do mundo com maior variação de vazão entre os períodos da cheia e da seca. Na seca, o Xingu raramente passa de 1000 m3/s, enquanto na cheia ele alcança até 27 mil m3/s. Com isso o empreendimento deverá passar pelo menos quatro meses por ano com as turbinas paradas. Nossa pergunta até hoje sem resposta é: como um empreendimento que ficará quatro meses parado pode ser lucrativo para a sociedade brasileira?

O que tem dificultado a regulamentação e aplicação do Direito de Consulta Prévia, Livre e Informada dos Povos Indígenas no Brasil? Por que no Brasil a sensibilidade às demandas indígenas ainda é baixa?
Pontes Júnior –
De um lado, atribuo à falta de interesse do governo federal em respeitar a Constituição e os tratados internacionais e, de outro, a invisibilidade dos povos indígenas. Para a maioria dos brasileiros, os indígenas ainda são considerados exóticos ou desconhecidos. Seus direitos, costumes, tradições não são levados em consideração porque, para isso, é preciso ter um novo olhar. Um olhar isento de preconceitos e tabus. E isso é muito difícil. Continuamos a ver os índios a partir de nossa concepção de mundo, e não da concepção deles.

Como avalia a postura da presidente Dilma, que já reiterou diversas vezes que Belo Monte será construída?
Pontes Júnior –
É exatamente a consequência de quem não possui o olhar diferenciado para os povos indígenas e, nesse caso, também de quem não procura ler as razões das universidades brasileiras que avisam ser Belo Monte uma usina deficitária.

(IHU On-Line, 01/12/2011)


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