Mineradora requer licença para pesquisa, não apresenta relatório e depois solicita espaço e fica com ele. Empresa se aproveita de estrutura fraca de departamento para manter áreas; Vale não se pronuncia
Um labirinto burocrático e a falta de controle federal permitem à mineradora Vale bloquear para exploração uma área de no mínimo 5 milhões de hectares no Pará, o equivalente a dois Sergipes.
A avaliação é do TCU (Tribunal de Contas da União), que detalhou como a mineradora se vale da fraca estrutura do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral, ligado ao Ministério de Minas e Energia) para manter áreas sob seu domínio e sem produção desde 1974.
O resultado é falta de competitividade no setor e, na avaliação do TCU, prejuízo para o país. O DNPM tem 90 dias para se explicar, a contar da notificação que deve ocorrer semana que vem. Procurada, a Vale não se pronunciou.
A área em poder da empresa e suas subsidiárias está dividida em ao menos 900 polígonos só na província de Carajás. O TCU, que fez inspeção no DNPM, levanta dúvida da capacidade da Vale de pesquisar espaço que equivale a 4% do Estado do Pará.
O principal artifício para bloquear as áreas é a companhia requerer licença para investigar se há minério numa região. O governo dá três anos para pesquisa, que são renováveis por mais três.
Enquanto está com essa licença, nenhuma outra empresa pode usar a região concedida para pesquisa ou mineração. Isso vale para qualquer bem mineral. Se a companhia não apresenta o relatório final da pesquisa, a área volta a ser livre para a primeira empresa que a pedir ao governo.
Mas o DNPM não tem estrutura para analisar todos os estudos. Só nas superintendências do Pará e de Minas Gerais, as mais importantes, há 15 mil processos parados. Numa região do Pará há só um engenheiro para visitar áreas e comprovar os estudos.
E não há sistema, nem mesmo um aviso em papel, para divulgar a data em que áreas ficarão disponíveis para novos interessados. Assim, a Vale acaba sendo a única a saber do estouro do prazo e renova a licença no dia seguinte ao vencimento.
Corrida do ouro
Nos poucos casos em que empresas souberam do vencimento do prazo, houve uma verdadeira "corrida do ouro", expressão usada em reuniões pela presidente Dilma Rousseff para classificar o formato da mineração no país.
Homens jovens e fortes se aglomeravam no portão do DNPM no Pará à espera da abertura. Havia uma corrida para ver quem chegava primeiro ao balcão para protocolar o pedido.
"O patrimônio mineral da União era entregue à empresa que contratasse o melhor velocista", diz o relatório de Raimundo Carreiro, do TCU.
Em 2008, a situação chegou ao ponto de os servidores organizarem baterias de competidores, com eliminatórias, semifinais e finais. O atual superintendente, João Bosco, disse que acabou com a prática neste ano.
Outro lado
O DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) entende que a prática da "corrida do ouro" está de acordo com as normas. Diz que o princípio é o da "prioridade" e que "o primeiro requerente, se devidamente habilitado no processo, será o que terá direito de pesquisar a área".
Quanto à falta de estrutura, o órgão informa que vem fazendo melhorias e está cobrando da Vale e de outras empresas o cumprimento dos prazos previstos em lei. Informada sobre a reportagem na terça-feira, a Vale disse ontem que não se pronunciaria sobre o assunto.
Em nota, o presidente do Sindicato das Indústrias Minerais do Estado do Pará, José Fernando Gomes Júnior, que trabalha na Vale, afirma que o DNPM é importante para o negócio de minério.
Mas diz que, nos próximos três anos, haverá investimentos do setor aproximadamente R$ 40 bilhões na região e o órgão precisa estar preparado "para atender a um significativo aumento nas demandas de planejamento, cadastro mineiro, fiscalização, entre outras".
Para o sindicato, o DNPM precisa "acompanhar o ritmo de crescimento da indústria, provendo cada vez mais e melhores serviços a todos".
Novo código limita expansão de mineradoras
O governo está para anunciar um novo Código de Mineração, em que limitará a expansão das mineradoras que já têm grande quantidade de áreas concedidas ou que estão em situação de monopólio.
Haverá licitação das áreas e critérios mais técnicos para a escolha de empresas que farão pesquisa.
A ideia é criar uma agência reguladora que seria uma evolução do atual DNPM. O novo código dará poder à União de retomar áreas de empresas que não honraram compromissos de pesquisa, exploração e investimento.
(Por Dimmi Amora, Folha de S. Paulo, 01/12/2011)