O primeiro-ministro peruano Salomón Lerner anunciou na noite desta terça-feira (29/11) a suspensão de um projeto bilionário de extração de ouro após seis dias de mobilizações organizadas pela população de Cajamarca, região Serra Norte do Peru. A decisão ocorreu após um enfrentamento entre os manifestantes e forças de segurança que, segundo fontes oficiais, deixou oito feridos em estado grave.
O governo teve de pedir às empresas responsáveis pela obra, a Yanacocha e a Newmont, que suspendessem suas operações, que exploram uma reserva de ouro.
O objetivo da suspensão, segundo o chefe de governo peruano, é permitir um ambiente propício para diálogo entre as partes envolvidas pelo projeto Conga. “A mineração deve ter como norte uma estratégia de desenvolvimento em harmonia com a população. Todas as dúvidas devem ser esclarecidas e a prioridade é a garantia do fornecimento de água para o consumo”, afirmou Lerner.
Esta é a segunda vez em uma semana que uma empresa estrangeira paralisa um projeto de grande monta devido a conflitos com as populações locais. Na última quarta-feira (23/11), a Odebrecht paralisou temporariamente a construção da hidrelétrica Tambo 40, em Junín, na região da selva central. No local, há o problema de a obra afetar a reserva indígena ashaninka.
A construtora brasileira enviou uma carta ao Ministério de Energia e Minas indicando que, caso haja interesse em aperfeiçoar aspectos envolvendo a sustentabilidade do projeto, serão avaliados estudos complementares.
No caso do projeto Conga, que representa um investimento de 4,8 bilhões de dólares, as organizações e o presidente regional de Cajamarca questionam a localização do empreendimento. Ele se localiza na cabeceira de uma bacia hidrográfica, e esvaziaria quatro lagoas na província de Celendín. O grupo contesta o EIA (estudo de Impacto Ambiental) aprovado pelo Ministério de Energia e Minas em 2010, durante o governo de Alan García.
Na última sexta-feira, uma reportagem investigativa da IDL-Reporteros obteve uma informação do Ministério do Meio Ambiente que encontrou falhas e problema no EIA de Conga. Entre eles, a falta de um estudo hidrográfico e de uma avaliação mais precisa que reconhecesse que o projeto trará danos irreversíveis no ecossistema de Celendín.
Liderada pelo presidente regional Gregorio Santos, Cajamarca iniciou desde a última quinta-feira uma greve geral em rechaço ao projeto Conga, com mobilizações na cidade de Cajamarca e vigílias a pé nas quatro lagoas de Celendín que seriam afetadas.
Mesmo após a paralisação anunciada pelo premiê, Cajamarca segue em greve, segundo informou à reportagem de Opera Mundi Jorge Chávez, membro da PIC (Plataforma Institucional de Celendín). A associação agrupa 25 instituições locais que se opõem ao Conga, entre elas, comitês ambientais, feministas e camponeses, além de instituições educativas.
Chávez alertou que a situação ainda é tensa em Celendín em razão do enfrentamento de terça-feira e devido à chegada de 40 policiais de choque via helicópteros.
O presidente regional de Cajamarca declarou hoje que espera do governo um documento formal sobre a suspensão e inviabilidade do projeto.
O representante do PIC em Celendín e estudante de engenharia ambiental disse que a oposição ao projeto ocorre porque ele também afeta a captação de água, e pediu que a paralisação seja acompanhada de uma auditoria independente para realizar um novo EIA.
“Não é a primeira vez que a Yanacocha diz que suspende as operações de Conga. Mas sabemos que eles seguem trabalhando em turnos noturnos. Também há outros interesses: a Odebrecht vai se encarregar da remoção de terra que a operação requere”. Chávez disse também que o número de feridos anunciado pelo ministro do Interior Oscar Valdez é inferior à realidade.
Opera Mundi entrevistou também o ex-vice-ministro do Meio Ambiente, José de Echave, que renunciou na última segunda-feira em razão da forma como o governo lidou com a crise gerada pelo projeto Conga. Echave reconheceu que o Peru está “em outro momento (após a suspensão)” nas relações entre Estado, empresas mineradoras e população.
“As autoridades regionais devem atuar nesse contexto. Se pedirem a inviabilidade ou anulação de um projeto, farão um favor para a Yanacocha, já que ela poderá submeter o Estado peruano a uma arbitragem internacional e pedir indenizações milionárias. Afinal, ela já tinha um estudo de impacto ambiental aprovado pelo governo anterior”, adverte.
“A suspensão é uma resposta a um momento complicado. Antes ocorreram outras paralisações de projetos, como em Cerro Quilish, Puno, Tía María, cada um com suas particularidades. Devemos tirar lições desses conflitos, pois há problemas institucionais. O país precisa de uma autoridade ambiental que exerça autoridade de fato. E é necessário rever políticas públicas. As normas que regulam os EIA estão totalmente defasadas, já têm mais de 20 anos”, afirmou.
O ministério do Meio Ambiente foi criado em 2008 no Peru. Entretanto, a responsabilidade pela aprovação dos estudos de impacto ambiental continuam nas mãos do ministério de Energia e Minas.
Echave destacou que outros projetos com investimentos estrangeiros volumosos “estão se desenvolvendo com alguns problemas, mas mantém seus cronogramas de investimento. Entretanto, outras empresas estão fazendo mal sua lição de casa, com os mesmos gerentes que se equivocaram em Cerro Quilish e Choropampa”.
Ele faz referência à Yanacocha, empresa com um histórico corrente de tensão entre as populações afetadas por suas obras, seja pelos baixos preços que pagou para comprar as terras, por utilizar sua seguranças privada para enfrentar membros da comunidade (como ocorreu em Cerro Quilish em 2004), e por não reconhecer suas responsabilidades após um derramamento de mercúrio ocorrido em 2000, em Choropampa, Cajamarca.
(Por Jacqueline Fowks, Opera Mundi, 30/11/2011)