O primeiro dia de negociações informais deixou alguns negociadores um pouco mais animados. Parece ter havido progresso razoavelmente tangível na negociação do Fundo Verde para o Clima e do Centro e Rede de Tecnologia. Na parte política, discretíssimos sinais de alguns países-chave criaram um clima de expectativa de que pode haver algum avanço.
A União Europeia mostrou-se animada, em sua coletiva de imprensa, com a possibilidade de se chegar a um acordo em relação ao Fundo Verde para o Clima. Apressou-se em apoiar o documento, ainda em discussão ao final do dia de hoje [30], dizendo que preferia aprová-lo como está, embora alguns pontos pedissem outras soluções. Mas a UE abre mão dessas correções para que o Fundo possa entrar em operação rapidamente, ainda em 2012.
O que outros negociadores dizem é que a Europa precisa ter algo a apresentar a seus parceiros africanos e o que mais interessaria a eles seriam recursos financeiros e técnicos para adaptação.
O negociador chefe do Brasil, embaixador André Corrêa do Lago, também reconhece que há possibilidade de se ter um pacote “técnico” envolvendo financiamento e tecnologia. Ele explicou que o que está sendo conversado é a possibilidade de não reabrir o documento sobre o Fundo, como querem alguns países que têm objeções a vários pontos, mas encontrar um meio de fazer as correções que esses países consideram indispensáveis.
A reabertura do documento, segundo os procedimentos usuais, implicaria em muito mais tempo e cria o risco de outras objeções apareçam, impedindo seu fechamento definitivo a tempo de ser aprovado pelo plenário. A regra que prevalece é “nada está aprovado antes que tudo esteja aprovado”, ou seja, em princípio, se um ponto é reaberto para ser rediscutido, todos os outros pontos podem ser rediscutidos.
Em Copenhague, a reabertura do documento sobre REDD permitiu que tantos pontos fossem reabertos por partes que haviam ficado descontentes, mas haviam cedido à maioria, que o texto retrocedeu, em uma hora, à versão de três dias antes. Perderam-se todos os avanços obtidos em três dias de intensas negociações. Os negociadores levaram mais 24 horas para chegar à versão que havia sido reaberta.
É essa perda de esforço e tempo que se quer evitar, com a tentativa de fazer correções pontuais no texto, sem reabrí-lo, como explicou o negociador brasileiro. Não é uma operação tão fácil quanto parece, porque ela implica em elidir a regra de que “nada está aprovado antes que tudo esteja aprovado”.
Mas como, aparentemente, há boa vontade, pelo que disseram hoje vários negociadores, é possível um acordo para corrigir alguns pontos sem considerá-los reabertos. É a hora em que, se todos querem, a diplomacia tem seus truques.
No campo político, sobre o Protocolo de Quioto e um novo acordo global dentro da Convenção do Clima, os avanços são menos tangíveis e muito mais sutis. Há sinais leves inseridos em uma ou outra frase nas discussões informais, pequenas aberturas escondidas entre uma linha e outra nas declarações de determinadas partes. Como ligeiros acenos de cabeça ou de mão que indicam uma mudança discretíssima e muito pequena no lance em um disputado leilão, mas que pode fazer toda a diferença.
Esses finos fios de entendimento parecem indicar a possibilidade de um acordo para o segundo período de compromissos sob o Protocolo de Quioto, que seria subscrito pela União Europeia e, talvez, Austrália e Nova Zelândia. Para que isso aconteça Estados Unidos teria que aceitar algum tipo de acerto em relação ao novo acordo futuro.
Alguns negociadores leram em leves sinais do EUA, que talvez isso seja possível. Neste caso, a China, talvez fizesse algum movimento, que assegurasse ao EUA que o BASIC eventualmente faria parte desse acordo a mais longo prazo.
Não se trata de uma mudança de paradigma, mas de uma ponte, autosustentável o suficiente para fazer a travessia segura até o momento em que as conjunturas domésticas e regionais permitam progresso mais tangível na direção de um regime global para mudança climática. Um regime que feche a brecha entre o que a ciência diz ser necessário e os que os países se mostram dispostos a fazer.
Esta é, na linguagem das COPs, a brecha das ambições, “ambitions gap”, em inglês. Ambições, no caso, são o quanto os países estão dispostos a fazer de redução das suas emissões de carbono.
Aqui em Durban, o objetivo maior é aprovar algumas medidas concretas, que permita dizer que não houve fracasso e afastar o risco de que a ausência de qualquer avanço, por menor que seja, leve ao colapso da já tênue credibilidade de toda a arquitetura de negociação de um regime global sobre mudança climática.
(Por Sérgio Abranches, Ecopolitica, 30/11/2011)