Em depoimento ao Senado, petroleira mostra que subestimou hipótese de vazamento ter iniciado em suas instalações e que acreditou que origem seria campo vizinho, da Petrobras. Quando mancha surgiu e Petrobras fez alerta, Chevron já sabia de situação inesperada na perfuração de poço próprio. Para ANP, erro da empresa na gestão do fato pode ter causado desastre
Chamada a depor ao Congresso pela segunda vez em uma semana sobre o desastre ambiental que protagonizou no Rio, a Chevron ajudou a iluminar, nesta terça-feira (29), uma das questões mais importantes. Depois de se deparar, dia 7 de novembro, com situação anormal na perfuração de um poço de petróleo, o que fez no dia seguinte, quando uma mancha de óleo apareceu no mar? Resposta: quase nada. Motivo: achou que o problema era com a Petrobras.
A mancha foi avistada no dia 8 por funcionários da Petrobras que voavam de helicóptero pela região. Ali, Chevron e Petrobras têm uma plataforma cada, separadas por cerca de 4,5km. Quando a mancha foi descoberta, estava mais perto da plataforma da estatal brasileira (campo Roncador, a cerca de 1,5km), do que da plataforma da multinacional norte-americana (campo Frade, a cerca de 3km).
“Nesse momento, a Petrobras avisou a todos na área, ao nosso campo, que é próximo, e achávamos tratar-se de uma mancha órfã”, disse o superintendente de meio ambiente da Chevron, Luiz Pimenta, em depoimento no Senado.
No jargão do setor petrolífero, “mancha órfã” significa sem uma origem explícita, e a ênfase da Chevron nesse aspecto faz parte de sua estratégia de defesa.
Segundo Pimenta, naquele dia 8, a Chevron fez inspeções em sua plataforma que fica no campo Frade e não descobriu vazamentos. No dia seguinte, enviou uma espécie de robô não mais à estrutura submarina da sua plataforma, mas à sonda que perfurava ali nas cercanias, chamada de Sedco 706. E aí, sim, identificou fissuras pelas quais o óleo derramou.
“Nesse exato momento, nós começamos a assumir a resposta. Até então, estávamos participando em apoio à Petrobras. Nesse momento, nós assumimos a resposta, e começamos toda a estrutura para ativar o nosso plano de emergência, colocar em operação o plano de emergência e fazer as devidas comunicações”, afirmou Pimenta.
Ao dizer que, de início, participava da busca pela origem do vazamento “em apoio à Petrobras” e que só depois "assumiu a resposta", a Chevron revela que achava que era a brasileira que estava enrolada, ou seja, que o problema era no campo Roncador.
O que é difícil de entender – ou de explicar - pois a causa do derramento foi uma situação inesperada ocorrida no dia 7 justamente durante perfurações da sonda Sedco da Chevron, nas imediações do campo Frade. A própria empresa foi quem comunicou esse fato inesperado à Agência Nacional do Petróleo (ANP), naquele mesmo dia.
Por que, então, a Chevron levou no mínimo 24 horas para cogitar que houvesse relação de causa e efeito entre o que aconteceu com sua sonda no dia 7 e a “mancha órfã” do dia 8, a ponto de só no dia 9 ter decidido inspecionar as instalações da sonda perfuradora? Um dia inteiro de vazamento poderia ter sido evitado.
Segundo uma fonte da Petrobras, que é sócia da Chevron no campo em que houve o desastre (Frade) mas não participa de atividades operacionais ali, a multinacional não tomou todas as providências que devia, depois de ter sido alertada sobre a mancha.
ANP: hipótese de erro
O fato estranho com o qual a Chevron se deparou no dia 7 é chamado de “kick”, no jargão petrolífero. Num determinado momento durante a perfuração, algum tipo de substância saiu de dentro das superfícies sólidas que estavam sendo furadas e subiu no sentido oposto ao do “furo”.
Quando isso acontece, segundo a ANP, a empresa, primeiro, tem que bloquear o buraco que está sendo perfurado. E isso foi feito no caso da Chevron. Depois, precisa fazer com que a substância volte para sua origem. E, aqui, pode estar a causa do derramento.
Na audiência pública no Senado, Silvio Jablonski, assessor especial da presidência da ANP, disse que uma das hipóteses para o desastre é ter havido erro – humano ou gerencial - na operação de “recolocamento” da substância em sua origem.
“Do ponto de vista da ANP, estas são ainda suposições que estão em análise. A operadora tentou fazer o controle do poço, fazendo a recirculação do fluido, isto é, colocando o fluido para baixo de novo, e isso pode ter causado uma ruptura [na área perfurada]”, afirmou.
Durante um intervalo da sessão, Jablonski disse à reportagem que a área em que houve o vazamento tem exploração de petróleo há 40 anos. Ou seja, uma geologia bem conhecida. Portanto, a linha de defesa “foi culpa da natureza” que vem sendo utilizada pela Chevron é menos provável do que um erro ou uma falha humana ou gerencial. “Mas eu não quero fazer ilações, precisamos esperar as investigações terminarem”, disse.
Pelas regras da ANP, a Chevron tem um mês para enviar um relatório com suas informações e versões dos fatos, contado a partir do dia 7 de novembro, que já é considerado pela agência como o ponto de partida do desastre.
O prazo vencerá no dia em que o presidente da empresa no Brasil, George Buck, está intimado a depor ao Ministério Público em inquérito que apura causas e responsabilidades do desastre. Buck não compareceu ao Senado nesta terça, preferindo mandar em seu lugar o chefe da área ambiental da empresa.
De posse do relatório da Chevron, a ANP terá dois meses para analisá-lo e confrontá-lo com as informações obtidas por outras fontes, antes de chegar a um veredito.
Na audiência pública no Senado, a condição de fonte primária da multinacional foi mais uma vez criticada. “Nós estamos completamente na mão daqueles que estão executando a atividade”, afirmou o subprocurador-geral da República Mário José Gisi.
(Por André Barrocal, Carta Maior, 29/11/2011)