A COP17, reunião das partes da Convenção do Clima (e também do Protocolo de Quioto – MOP7) entra hoje na fase de negociação propriamente. Nas sessões iniciais, se dão as preliminares, para organizar o trabalho e definição de posições iniciais. A partir do terceiro dia, começam as negociações em “grupos de contato” e “consultas informais”, cujas conclusões ou não conclusões são levadas às sessões regulares dos grupos de trabalho, para relatório ou redação de documentos a serem levados ao plenário.
Os dois primeiros dias são, portanto, em geral consumidos por sessões para organização dos trabalhos, o que significa decidir como fazer, como enfrentar questões que estão gerando impasse, definição de prazos, como lidar com documentos apresentados para análise.
O restante das sessões é dedicado a declarações formais, tomadas de posição, por meio dos quais os diferentes grupos firmam suas posições iniciais. É claro que os delegados estão em estado permanente de negociação, tudo que se diz e faz é parte do jogo. Mas todos consideram que as posições iniciais servem apenas para delimitar o ponto de partida para o jogo decisivo.
Embora pareça ser tudo rotina e formalidade – e em grande parte é mesmo – sempre há espaço para surpresas e aberturas novas, em um jogo que anda muito empatado há muito tempo. Essas tomadas de posições e declarações servem como sinais. São sinais mais fortes quando aparecem em mais de uma ocasião.
Além disso, negociação não segue programa predefinido. Há conversas que já estão avançadas. Avançadas significa que são intensas e frequentes, não que estejam próximas de uma boa conclusão.
Os sinais identificados pelos negociadores também servem para montar estratégias e para negociar.
Por exemplo: o EUA se referiu com alguma veemência aos compromissos de redução de emissões assumidos pelos países em Copenhague e ratificados em Cancún. Jonathan Pershing, o negociador-adjunto do EUA, disse que os países estão adotando ações que permitam cumprir esses compromissos que, embora voluntários, são formais, estão registrados na Convenção do Clima e estão sendo levados a sério.
Na reunião do grupo que negocia o segundo período de compromissos para o Protocolo de Quioto (AWG-KP), a Austrália, em nome do grupo “guarda-chuva” (UMBRELLA Group), disse que os compromissos e ações dos Acordos de Copenhague e Cancún devem definir a base para esforços futuros. É um grupo importante, dele fazem parte, além da Austrália, EUA, Canadá, Islândia, Japão, Nova Zelândia, Noruega, a Federação Russa e a Ucrânia.
É um sinal forte de que uma das propostas a serem introduzidas na mesa de negociação é que os compromissos de Copenhague/Cancún sejam transcritos como metas iniciais tanto para o segundo período de compromissos do Protocolo de Quioto, quanto para o novo acordo legal que sucederá o Protocolo, no futuro, e inicialmente enquadrará os países que não são parte dele.
Essa proposta provavelmente terá uma versão mais restrita, no sentido de que todos sejam cobertos por um novo acordo legal, baseado nos acordos de Copenhague e Cancún, com metas iniciais iguais aos compromissos registrados naqueles acordos. O segundo período de compromissos do Protocolo de Quioto se tornaria desnecessário e sua estrutura seria incorporada à estrutura do novo acordo, que preservaria também seus mecanismos e instrumentos como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
Ter o Protocolo e um outro acordo, em termos iguais, abrangendo grupos distintos de países ou ter um acordo só, parecem propostas quase idênticas. De fato são, do ponto de vista substantivo, principalmente quando se considera a ideia de que ambos só obriguem países ditos “industrializados”. Mas, do ponto de vista político são seres de planetas bem distantes entre si.
Outro sinal muito comentado por todos e para o qual dois importantes negociadores chamaram minha atenção, foi a China ter falado em nome do BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China), na sessão de segunda-feira sobre o Protocolo de Quioto, para dizer que o segundo período de compromissos deveria ser a prioridade em Durban e se opor a “medidas unilaterais” em relação à aviação internacional, adotadas recentemente pela União Europeia.
Não parece muito, e de fato não é. Nem é novidade. Já era conhecida a posição de China, índia e Brasil de que não abrem mão do segundo período de compromissos do Protocolo de Quioto, para vigorar até 2020. Mas, politicamente, é importante porque, desde Copenhague, nas negociações para valer, o G77+China acaba sendo substituído pelos outros grupos, com posições mais afinadas internamente.
O BASIC teve papel determinante na negociação final com Obama, que tinha mandato da União Europeia para negociar, em nome dos “desenvolvidos”, uma fórmula de salvação para Copenhague com o BASIC. A AOSIS, representando os países-ilha foi por outro caminho, assim como a União Africana. A China falando em nome do BASIC foi tomado como sinal de que o BASIC terminará negociando autonomamente, mais adiante. No momento, tem se mantido alinhado com o G77+China.
O G77+China inteiro está no planeta que acha imprescindível o Protocolo de Quioto, onde estão também praticamente todas as ONGs. Mas há posições diferenciadas nesse planeta. A associação dos países-ilha, AOSIS, quer que o segundo período de compromissos do Protocolo de Quioto seja apenas de no máximo cinco anos (2017) e não até 2020, para que possa haver revisão das metas mais cedo, com base em novos dados do IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.
Os países do G77+China, inclusive o BASIC, querem dois acordos, falam “duas trilhas”: o Protocolo e outro que inclua os países industrializados que estão fora dele, mas pretendem ficar de fora da parte compulsória de ambos. Os negociadores do planeta que deseja um acordo só para todos, classificam essa posição inicial do BASIC de “non-starter”, ou seja, não dá nem para começo de conversa.
No planeta do que querem um acordo só, há também diferenças importantes. A União Europeia, por exemplo, aceita que se tenha apenas um roteiro para o acordo que deve abranger a todos e manter o Protocolo de Quioto até 2015, quando ele seria absorvido, eventualmente, pelo novo acordo.
O EUA não reconhece o Protocolo de Quioto e nem o discute. O Canadá quer sair do Protocolo, usando a faculdade conferida por seu artigo 27. O Japão afirma que não estará no segundo período de compromissos, mas se manterá como parte do Protocolo, que considera um instrumento que tem seu valor. Provavelmente para ser incorporado ao novo acordo.
Os demais países desenvolvidos têm forte divergência com o EUA: dizem que sua meta é insuficiente, e é; que o ponto de referência tem que ser o do “Anexo I” do Protocolo de Quioto para os países ditos “industrializados”, 1990, e não 2005, como está na meta levada por Obama a Copenhague, e estão certos.
Como tem dito um negociador importante do BASIC, nunca os países desenvolvidos estiveram tão divididos. E reconhece que há divisões também entre os países em desenvolvimento.
Mas todos concordam em um ponto: o novo acordo tem que incluir os grandes emissores dos países em desenvolvimento (leia-se China, Brasil, Índia, com ênfase especial para China), com obrigações compulsórias, ainda que diferenciadas, em função das chamadas responsabilidades históricas.
Isso significaria dar um desconto nas metas ou no prazo de cumprimento, porque esses países não contribuíram para o estoque acumulado de gases estufa oriundos da atividade humana acumulado na atmosfera no período em que a indústria desses países em desenvolvimento era incipiente. Há divergências sobre a data, mas é provável que se firme consenso em torno de 2005, data escolhida por esses próprios países para os compromissos registrados em Copenhague.
A inclusão desses países em um acordo legal, com metas obrigatórias é inevitável. E seus negociadores sabem disso. Estão apenas tentando adiar ao máximo a data em que se verão obrigados, pela pressão de forças globais e domésticas, a aceitar essas obrigações legais no contexto de um tratado internacional.
A operação de promover um acordo entre esses países não é trivial. É preciso encontrar pontos de convergência dentro dos dois grandes grupos e entre eles. As distâncias não são pequenas. Mas há sinais de que os contornos de uma solução futura começam a tomar forma após tanto esforço e energia gastos nessas negociações do clima.
Não será em Durban, provavelmente também não será no Qatar, em 2012, na COP19. Talvez seja no país que hospedar a COP21, em 2015.
(Por Sérgio Abranches, Ecopolitica, 30/11/2011)