O rumor de que o Canadá vai anunciar sua retirada do Protocolo de Quioto, usando o artigo 27, que faculta a qualquer parte retirar-se do Protocolo após três anos, tem gerado muita reação negativa de países em desenvolvimento e de ONGs. A saída do Canadá é um fato relevante?
Há duas respostas. Politicamente, é relevante, porque sacramenta o definitivo esvaziamento do Protocolo de Quioto. No limite, não haveria um segundo período de compromissos, ou seja novas metas obrigatórias de redução de emissões para os países do Anexo I.
A saída de salvação seria um segundo período de compromissos assinado apenas pela União Europeia, pois Rússia, Japão e Austrália, também anunciaram que não participarão de um segundo período de compromissos. Querem um acordo global, válido para todos os grandes emissores.
Hoje (28), falando na plenária do Protocolo de Quioto, a representante da Austrália, em nome do “grupo Guarda-Chuva” (Umbrella Group), que inclui nova Zelândia, Japão, Rússia e Canadá, deixou claro que esse grupo apóia um novo acordo legal para o clima. O que significa que não estão mais interessados no Protocolo de Quioto.
Para o objetivo principal, e única razão para se ter essas reuniões da Convenção do Clima, que é a redução efetiva das emissões de gases estufa, a reposta é não. Nem a saída do Canadá, nem o Protocolo de Quioto, são relevantes para se alcançar esse objetivo. O Protocolo jamais alcançará mais que 25% das emissões.
Com todos os países dentro, chega a esses 25%, mas como as emissões da UE e do Japão tendem a cair, esse passou a ser o teto. Só com a Europa, atingiria 17% das emissões, com tendência de declínio. As metas de redução de emissões em vigor na Europa são muito mais exigentes do que aquelas a que hoje estaria obrigada pelo Protocolo de Quioto.
Hoje, o Protocolo serve de álibi para o EUA sair do centro do debate político sobre a arquitetura global para regulação das emissões. Alega não fazer parte dele e escapa da discussão sobre um sucedâneo para ele, dizendo que já está no Acordo de Copenhague e no Acordo de Cancún, que oficializou os compromissos de redução de emissões de países que representam 80% das emissões globais.
Foi o que Jonathan Pershing, negociador do EUA, disse ontem em sua coletiva de imprensa. E ainda acrescentou que, se o Acordo de Cancún tivesse se tornado legalmente vinculante para todos, não se estaria mais discutindo o Protocolo de Quioto.
Ele argumentou que o Acordo de Cancún, ao incorporar as principais decisões tomadas em Copenhague, criou mecanismos de longo prazo, “que vão além de 2020”, como o Fundo Verde para o Clima e o Centro e Rede de Tecnologia, que apoiarão permanentemente as ações de redução de emissões e de adaptação aos efeitos inevitáveis da mudança climática nos países em desenvolvimento.
Politicamente, está claro que os instrumentos hoje existentes, o Protocolo de Quioto, compulsório, e o Acordo de Cancún, voluntário, servem de desculpa para não se avançar no acerto de um novo e mais abrangente regime legal internacional para o clima.
Talvez o colapso definitivo do Protocolo de Quioto ponha a nu o escapismo e force a uma negociação mais sincera e efetiva de um novo acordo que comprometa todos os grandes emissores, ainda que guardadas as diferenças na parcela de responsabilidade pelo efeito humano no clima.
(Por Sérgio Abranches, Ecopolitica, 29/11/2011)