Presidente da empresa, George Buck, vai à Câmara dos Deputados tentar explicar desastre ambiental e deixa dúvidas sobre tempo de reação para achar vazamento e tomar providências. Fim de derramamento de óleo e dano contra animais causam contradição. Agência do Petróleo proíbe multinacional de explorar pré-sal. Deputado entra com pedido de CPI da Chevron.
Depois de receber multas e pedido de indenização que podem chegar a R$ 260 milhões, a norte-americana Chevron sofreu nesta quarta-feira (23) mais punições por protagonizar um dos mais graves desastres ambientais no Brasil. Foi proibida de buscar petróleo no pré-sal (em águas ultraprofundas) e de perfurar qualquer poço no país. De quebra, tornou-se alvo de um pedido de CPI que propõe investigara a conduta dela.
Em depoimento a deputados nesta quarta (23) ao lado de autoridades federais, o presidente da Chevron no Brasil, George Buck, mostrou que as questões-chave ainda precisam mesmo ser esclarecidas e que ainda não dá para dimensionar o tamanho da culpa – e talvez do crime - da empresa.
Pelo que Buck, o chefe de segurança operacional da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Rafael Moura, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Curt Trennepohl, e o contra-almirante Edlander Santos, da Marinha, disseram na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, sabe-se que:
* A Chevron comunicou no dia 7 de novembro um fato estranho à ANP, chamado tecnicamente de kick: fluidos desconhecidos invadiram um poço que a empresa perfurava.
*Uma mancha de óleo é descoberta no mar no dia 8. Sócia da Chevron no campo do “kick” e com poço próprio ali perto, a Petrobras informa o fato ao Ibama e à norte-americana, que conta à ANP.
*No dia 9, a Chevron avisa ANP e Ibama que o poço está vazando. Quatro dias depois, a petroleira considera que o derramamento foi estancado.
Os depoimentos e a cronologia deixam dúvidas sobre o coportamento da Chevron. Buck reconheceu haver relação entre o “kick” e o vazamento. Então, por que a empresa levou dois dias para descobrir óleo derramando? É um tempo razoável nestas situações? Por que não constatou na véspera, ao saber da mancha? Descobrir dia 9 e estancar dia 13 foi uma velocidade razoável?
Na audiência, Buck, que falou em inglês, foi traduzido e pediu desculpas ao povo brasileiro, disse que a empresa inspecionou o poço dia 8, atrás de vazamentos. Que os achou no dia 9 usando um equipamento pilotado à distância. E que, na opinião de especialistas em petróleo, quatro dias para estancar uma sangria seria uma “ação rápida e eficiente”.
Depois da audiência pública, a reportagem perguntou a Moura o que a ANP achava sobre as dúvidas quanto à reação da Chevron e sobre as explicações dadas pela empresa. Ele afirmou que é cedo para dizer e que é preciso esperar o fim da investigações. Uma fonte da Petrobras disse à Carta Maior que a sócia norte-americana foi negligente e não tomou as providências necessárias após ter sido avisada da mancha de óleo no dia 8.
Também há dúvidas importantes sobre a outra fase do desastre e que igualmente interferem na medição da culpa da Chevron: a administração do óleo vazado, cerca de 2,4 mil barris – o maior derramento de petróleo da história, no Golfo do México, em 2010, foi de algo entre 3 milhões e 4 milhões de barris.
A Chevron submeteu à ANP seu plano de controle do óleo na noite de 12 novembro, um sábado, e ele foi aprovado com urgência no domingo. Segundo Moura, fazia parte do plano um equipamento que a empresa teria de trazer do exterior, o que só teria ocorrido na última segunda (21). O governo considera que houve aí no mínimo uma omissão de informação.
Na audiência, George Buck não admitiu a omissão. Disse que a Chevron tinha no Brasil tudo o que precisava para o plano. Não foi a única contradição no depoimento. Segundo o executivo, não houve “nenhum dano” à vida aquática em decorrência do desastre. Para Trennepohl, do Ibama, está cedo para dizer. Buck disse primeiro que os vazamentos foram interrompidos no dia 13. Mais tarde, que não cessaram de todo e, duas semanas depois, ainda há derramamento residual.
De acordo com o executivo, todas as informações da Chevron estão à disposição das autoridades. Segundo Trennepohl, no dia 10, quando o Ibama acionou a empresa e foi dentro dela acompanhar o andamento da gestão do desastre, viu que não conseguiria fazer uma avaliação só com base no que a Chevron contaria. Seria preciso coletar informações de outras formas.
Por exemplo: a Chevron disse que tinha 17 ou 18 navios na região operando em busca do vazamento e da mancha de óleo. O delegado da Polícia Federal que abriu inquérito contra a empresa, Fabio Scliar, sobrevoou o local e só viu um. A Marinha possui registros de satélite sobre as posições e os deslocamentos de navios e prepara uma planilha para confrontar com o que disse a Chevron. “É um quebra-cabeça que estamos tentando montar”, disse Trennepohl à Carta Maior.
A dependência das informações fornecidas pela Chevron é considerado um obstáculo pelas autoridades. A empresa pode, em tese, contar o que quiser e da forma como quiser, de modo a atenuar responsabilidades, que Buck disse na audiência que a empresa “assume”. “Estamos conscientes da gravidade dessa situação e assumimos nossa responsabilidade.”
O contra-almirante Edlander Santos coordenou a aquela que foi a primeira equipe a fazer uma inspeção in loco em instalações da Chevron, depois que a mancha de óleo foi detectada. “Senti uma grande dificuldade. As informações que nós recebemos tinham a interveniência da empresa envolvida”, afirmou.
A “interveniência” da Chevron na cessão de informações, suspeita o governo, teria um exemplo claro em um vídeo que a empresa fez no fundo do mar para mostrar as providências tomadas. O governo acha que recebeu imagens pré-selecionadas.
Aos deputados, Buck botou a culpa na “banda larga” da empresa. A Chevron teria tentado mandar pela internet a íntegra das imagens, mas, como elas eram muito pesadas, não teria conseguido. Daí, optou por montar um clipe, gravar num arquivo e despachar para as autoridades.
"A Chevron é a fonte das informações, mas é a protagonista e a grande responsável pelo que aconteceu", disse o deputado Dr. Aluizio (PV-RJ), autor do pedido de abertura da CPI da Chevron.
Pela importância crescente que a indústria do petróleo terá no Brasil nos próximos anos, por causa do pré-sal, o caso Chevron mostra que talvez seja hora de o governo reforçar o aparato fiscalizador e regulador do setor. “O Estado brasileiro tinha de ser capaz de produzir suas próprias informações”, disse o contra-almirante Erlander Santos.
(Por André Barrocal, Carta Maior, 23/11/2011)