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refugiados ambientais riscos climáticos crise climática
2011-11-17 | Rodrigo

Ainda não existe um status legal de refugiado climático, mas fenômenos extremos como secas e tempestades estão potencializando o deslocamento populacional interno em diversas regiões do mundo. No Brasil, o deslocamento de populações provavelmente ocorrerá “intra e entre regiões.

As regiões Sul e Sudeste, por exemplo, também podem sofrer impactos em função de aumento do nível do mar, tempestades e enchentes, dentre outros”, esclarece Márcia Castro, professora de Demografia na Universidade de Harvard, à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail.

De acordo com ela, se a hipótese de que as mudanças climáticas geram deslocamentos populacionais entre países se confirmar, o gerenciamento dos refugiados climáticos será complicado “pelo fato da inexistência de um status legal de ‘refugiado climático’”.

Antes que essa situação se acentue pelo mundo, sugere, “planos detalhados de reassentamento precisam ser elaborados em antecipação aos futuros impactos da mudança do clima”.

Para ela, ainda que seja estabelecida uma estratégia internacional de amparo aos refugiados climáticos no futuro, “haveria a possibilidade de problemas, uma vez que nem todos os países vizinhos têm relações diplomáticas. Além disso, dependendo do contexto, imigrantes podem enfrentar dificuldades de aceitação no local de destino”.

Márcia Castro é mestre em Demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutora na mesma área pela Princeton University. Atualmente é professora assistente na Harvard School of Public Health.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Já existem refugiados climáticos ou essa é uma situação prestes a acontecer?
Márcia Castro –
É importante ressaltar que a condição de refugiado significa cruzar fronteiras entre países; indivíduos que se deslocam dentro do país não são refugiados; são deslocados internos. Portanto, a condição de refugiado traz uma série de implicações políticas que não são necessariamente de simples resolução.

Não há um status legal de refugiado climático. O que existe são populações que tiveram de ser deslocadas em função de mudanças climáticas e de projetos de infraestrutura implantados na luta contra o aquecimento global. Como exemplo do primeiro, podemos citar os deslocamentos acontecendo no Alaska, em Papua Nova Guiné e no Vietnã, dentre outros.

Como exemplo do segundo estão os deslocamentos populacionais em função da construção de hidrelétricas e projetos de desvio de rios, entre outros. Em resumo, já há deslocamento de populações humanas em função de mudanças climáticas, mas o que se espera é que esses deslocamentos se intensifiquem.

Quais são os impactos das mudanças climáticas e ambientais sobre o deslocamento de pessoas ao redor do mundo?
Castro –
A mudança do clima é um processo; não acontece de imediato. Pode gerar aumento do nível da água ou seca. Pode ainda estar relacionada à intensificação de eventos extremos (furacões, chuvas, etc.), cujo impacto é imediato e cuja magnitude depende da intensidade do evento. Ambas as situações estão associadas a deslocamentos populacionais.

É ainda importante ressaltar que, por vezes, pessoas impactadas por enchentes e consequentes deslizamentos de terra, pro exemplo, observam um deslocamento de caráter temporário e acabam por voltar para a localidade original, ainda que ela seja uma área vulnerável. Isso demonstra falha de planejamento.

Em que sentido as mudanças climáticas podem prejudicar ainda mais a atual situação dos refugiados?
Castro –
Se considerarmos os refugiados no sentido real da palavra, os que cruzaram fronteiras internacionais, há que se considerar a situação precária em que muitos vivem atualmente, em campos de refugiados, sem acesso à água potável e saneamento, sem habitação de qualidade, precário atendimento médico, etc. Na hipótese de que mudanças climáticas levem a deslocamentos populacionais entre países, então a situação se complica pelo fato da inexistência de um status legal de “refugiado climático”.

Como o Brasil será afetado com os deslocamentos populacionais ocasionados pelas mudanças climáticas?
Castro –
É muito provável que o Brasil venha a observar deslocamentos populacionais ocasionados pelas mudanças climáticas, mas não se sabe se será um dos países mais afetados. Entre possíveis impactos estão: intensificação da seca no Nordeste, aumento do nível do mar, mudança de padrão de precipitação na Amazônia e intensificação de tempestades.

Além disso, o Brasil planeja a construção de várias hidrelétricas, alegando benefícios na mitigação do aquecimento global – o que é questionado –, e isso gerará deslocamentos de populações residentes nas áreas impactadas pelas construções.

Como os governos devem conduzir a construção de novos empreendimentos que geram impactos ambientais, numa época em que se fala frequentemente na preservação e cautela em relação ao meio ambiente?
Castro –
É preciso que haja planejamento adequado, que riscos sejam avaliados de forma rigorosa, abordando questões sociais, culturais, ambientais, econômicas e de saúde, pautadas em um arcabouço de direitos humanos. Quando o projeto for viável, é fundamental que medidas mitigatórias sejam implementadas a fim de minimizar os riscos. A elaboração de relatórios de impacto ambiental – como rege a legislação brasileira – é um passo importante. Porém, problemas nos processos de elaboração, aprovação e monitoramento da implementação de medidas mitigatórias comprometem o sucesso do empreendimento do ponto de vista social e ambiental.

É possível vislumbrar impactos sociais em função das migrações no Norte e Nordeste brasileiro para regiões que poderão ser menos afetadas pelas mudanças climáticas?
Castro –
Os deslocamentos populacionais no Brasil provavelmente ocorrerão intra e entre regiões. O Sul e o Sudeste, por exemplo, também podem sofrer impactos em função de aumento do nível do mar, tempestades e enchentes. Não há motivos para imaginar que haveria uma migração em massa de populações do Norte e Nordeste para outras regiões, considerando que essas outras igualmente sofreriam impactos. Isso ressalta a necessidade de se fazer um planejamento para reassentamento.

Que regiões do mundo provavelmente serão mais impactadas pelas mudanças climáticas?
Castro –
Depende do tipo e da magnitude das mudanças. Áreas críticas geralmente citadas incluem pequenas ilhas no Pacífico, regiões litorâneas, o ártico, o cerrado. Mas é difícil prever qual seria a região do mundo mais afetada.

Qual é a responsabilidade dos governos diante dos refugiados climáticos, que precisam migrar em função de perderem suas terras, por exemplo, ou viverem em áreas vulneráveis?
Castro –
Planos detalhados de reassentamento precisam ser elaborados em antecipação aos futuros impactos da mudança do clima. Portanto, é fundamental identificar áreas vulneráveis, assim como áreas para reassentamento.

Como os países podem se prevenir para lidar com os deslocamentos gerados pelas mudanças climáticas? Em que consistiria uma política internacional para o deslocamento de populações ameaçadas pelas mudanças climáticas?
Castro –
No que se refere aos reassentamentos de populações, há questões políticas, financeiras, legais, sociais, éticas, de treinamento de pessoal e de disponibilidade de dados e evidência científica para um planejamento antecipado. Há que se abordar todos para que o reassentamento seja bem sucedido.

Com relação a uma política internacional, tudo é mais complicado. Ainda que uma estratégia internacional seja estabelecida no futuro, talvez pautada na experiência de políticas nacionais a serem criadas, ainda haveria a possibilidade de problemas uma vez, que nem todos os países vizinhos têm relações diplomáticas. Além disso, dependendo do contexto, imigrantes podem enfrentar dificuldades de aceitação no local de destino.

Deseja acrescentar algo?
Castro –
O governo do Reino Unido publicou recentemente um relatório em que ressalta a questão do reassentamento de populações, enfatizando que algumas estariam impossibilitadas de se mover apesar dos impactos climáticos – eles chamam isso de o paradoxo da imobilidade (immobility paradox). As recomendações que fazemos no artigo trazem essa questão à tona e esperamos que sejam um ponto de partida para futuras pesquisas e diálogos que contribuam para práticas justas de reassentamento.

(IHU On-Line, 10/11/2011)


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