Equipes de resgate tentam localizar nove mineiros em Yunnan, sudoeste do país, após explosão que já matou 30. Em Gansu, no noroeste, há oito presos por uma inundação e se ignora se ainda estão com vida. Governo central tenta reverter desregulamentação dos anos 90, mas tem se chocado com interesses de caciques políticos regionais
A usina de milagres chinesa produz estragos. Mais de 2600 trabalhadores morreram nas minas de carvão em 2010: é a media anual. Ao fechamento desta edição, equipes de resgate tentavam localizar nove trabalhadores na mina de Yunnan, sudoeste do país, cuja explosão por escapamento de gás na quinta-feira passada (10) deixou um saldo provisório de mais de 30 mortos, enquanto em Gansu, noroeste do país, há oito mineiros presos por uma inundação e se ignora se ainda estão com vida.
É fácil perder a conta. Há pouco mais de dez dias, em Henan, no centro do país, morreram oito pessoas e 52 foram resgatadas com vida. O próprio vice-primeiro-ministro chinês Zhang Dejiang reconheceu que a situação é sombria. “Este último acidente é um sinal de alarme que deixa claro os problemas que envolvem a prevenção de acidentes”, assinalou Zhang.
O sinal de alarme está aceso há mais de una década. A profunda desregulamentação do setor nos anos 90 desfez os controles da era maoísta para um recurso que ainda hoje abastece 70% das necessidades energéticas do país.
O resultado desta desregulamentação foi a proliferação de milhares de aventureiros que se lançaram no negócio do carvão, levados pela crescente demanda que o vertiginoso crescimento econômico chinês produzia.
Em seu momento de apogeu havia cerca de 30 mil destes pequenos empreendimentos. Com uma supervisão praticamente inexistente, o número de mortos era muito maior do que o atual. Em 2002, mais de seis mil trabalhadores chineses perderam suas vidas nas minas. A mudança obedeceu à decisão de apertar os controles regulatórios que a dupla formada pelo presidente Hu Jintao e o primeiro ministro Wen Jiabao adotou logo ao assumir, em 2002.
Em uma clara mensagem política de mudança de regras, o premiê Wen Jianao celebrou o ano novo chinês em 2003 descendo uns 2300 pés para almoçar com os mineiros e exigir de seu próprio partido que aprendesse “lições que custaram muito sangue”. Desde então milhares de minas foram fechadas por não cumprir com os requisitos de segurança.
A nova normativa estipula que os membros da diretoria baixem às minas como virtuais fiadores da segurança no lugar. Em um efeito tragicômico da explosão da mina em Yunnan, a polícia chinesa deteve na segunda-feira (14) um diretor que havia lambuzado o rosto com carvão para simular que havia descido com os trabalhadores às minas.
A aparente vontade política do governo central se choca com a estrutura política de um país gigantesco como a China, com o poder dos caciques regionais e com a demanda inesgotável de uma economia que cresceu mais de 10 % por ano nas últimas duas décadas. Este crescimento converteu a China, primeiro produtor mundial de carvão, em importador desde 2008.
As grandes minas estatais, que têm maiores medidas de segurança, não dão conta das necessidades do mercado interno. Segundo algumas estimativas, as pequenas empresas ou as que dependem dos governos estaduais ou dos municípios, extraem um terço da produção total chinesa. Este poder local tem um impacto nacional.
No começo de 2006, Wen Jiabao se comprometeu em fechar umas quatro mil minas porque aparentavam um risco para a segurança. Em outubro deste ano, o plano foi adiado até 2010. Segundo a agência oficial de notícias Xinhua, isso se deu “pela oposição dos governos locais, que consideram o carvão como uma fonte de capital imprescindível pelos ingressos impositivos e pelo emprego em nível local”.
Apesar destes ziguezagues políticos, o número de mortes por ano caiu quase um terço, mas as cifras continuam sendo pavorosas e falta contundência aos remédios. O anúncio da Agência para a Regulação do Emprego de Beijing, de um novo programa de segurança para as minas pouco antes dos acidentes em Yunnan, Henan e Gansu mostra os limites dos marcos regulatórios: a implementação é tão importante como a letra.
Em 2006, um comunicado da Comissão Central para a Disciplina do Partido Comunista descobriu que 4.878 membros do partido tinham alguma participação econômica nas minas com um capital total de cerca de 91 milhões de dólares. Um ano mais tarde a Procuradoria Popular revelou que 46 membros do partido eram responsáveis por violações das normas de segurança em nove explosões que haviam causado a morte de mais de 200 mineiros.
Dois casos chamavam a atenção. Em Guandong , o ex-sub-diretor para a Segurança no trabalho havia recebido subornos de 70 mil dólares enquanto dois altos dirigentes comunistas da província de Shanxi haviam ajudado os diretores de uma companhia a ocultar os cadáveres de 17 mineiros mortos por uma explosão de gás. As campanhas contra a corrupção começaram nos anos 50 e se multiplicaram com a “Gaige Kaifang” (Reforma e Abertura) de Deng Xiao Ping nos anos 80.
Nenhuma conseguiu erradicar o fenômeno de maneira significativa. Em agosto deste ano, Hao Pengjun, chefe do departamento de Carvão de Pu, uma localidade da província mineira de Shanxi, foi condenado a 20 anos depois de que o consideraram culpado de operar ilegalmente uma mina e usar seus lucros para acumular dezenas de casas em todo o país.
A condenação e o fato de que um diretor lambuzasse o rosto, dão mostras de que há avanços no terreno da implementação. A imensidão da China e o poder histórico das regiões revelam as complicações de uma política nacional.
(Por Marcelo Justo, Carta Maior, 16/11/2011)