O ano era 1992. Chitãozinho & Xororó cantavam em propaganda do governo de SP que a população poderia, enfim, voltar a nadar no Tietê. Mais otimista, o governador Luiz Antônio Fleury Filho disse que um dia beberia do rio e que, na sua gestão, reduziria em 50% a sua poluição por conta do Projeto Tietê, o mais ambicioso plano ambiental da história de SP.
O ano é 2010. Quase duas décadas e US$ 1,6 bilhão depois, a água do Tietê no trecho que atravessa a Grande São Paulo está ainda pior. O quadro, detectado em avaliação anual da Cetesb, mostra que ele segue feio (turvo), sujo (lixo e esgoto) e malvado (transmite doenças).
Dos seis pontos monitorados desde 1992, cinco estavam piores em 2010. Dos nove avaliados hoje, quatro são péssimos, e três, ruins. Os dois bons ficam perto da nascente, em Salesópolis (101 km de SP).
A Folha usou o IQA (Índice de Qualidade das Águas), o mais amplo dos indicadores apurados pela Cetesb, que leva em conta nove parâmetros, entre eles quantidade de oxigênio e coliformes fecais.
Em quase toda a região, as taxas de oxigênio ficaram perto de zero, o que inviabiliza qualquer tipo de vida. Ou seja, o Tietê -que, em tupi-guarani, ironicamente, é “água boa” ou “rio verdadeiro”- é ainda um rio morto.
E não é o único: o cenário é o mesmo em todos os rios da capital, como Pinheiros, Tamanduateí e Aricanduva.
Apesar dos investimentos em esgoto, é grande o número de domicílios não ligados à rede -de favelas à beira de córregos a condomínios de luxo na zona oeste da cidade.
Nas duas primeiras fases do plano -a terceira vai de 2010 a 2015-, a Sabesp priorizou a montagem estrutural da rede, como a construção de três estações de esgoto (eram duas), redes coletoras e interceptores, entre outros.
O volume de esgoto tratado quadruplicou e incluiu 8,5 milhões de habitantes. “É a população de Londres”, diz Carlos Eduardo Carrela, superintendente de Gestão de Projetos Especiais da Sabesp.
Parece muito, mas está abaixo da meta (18 milhões) e atinge só 50% da população. Dez cidades, como Guarulhos e Barueri, não tratavam nada do esgoto em 2010. “É como na era medieval. O cocô é jogado no rio, o importante é ir embora da minha casa”, diz Mario Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica, que monitora o plano desde o início.
Outro fator foi que a população cresceu (em 5 milhões) e, com ela, problemas como lixo e poluição do ar (chuva ácida), que já respondem por 30% da poluição do rio.
Seria pior se nada fosse feito, diz Sabesp
Para a estatal, investimentos do Projeto Tietê tiraram 1,5 milhão de litros de esgoto sem tratamento do rio por dia. Segundo a companhia, embora seja difícil perceber melhora na Grande SP, poluição retrocedeu no interior.
A situação do rio Tietê é dramática, mas poderia ser pior se não tivesse havido o plano de despoluição, segundo avaliação da Sabesp.
“Como estaria o rio se nada tivesse sido feito? Seria mais 1,5 milhão de litros de esgoto por dia chegando ao rio sem tratamento”, diz Carlos Eduardo Carrela, superintendente de Gestão de Projetos Especiais da companhia.
Para ele, na região é “muito difícil” perceber o que já foi feito. “Pode até aparecer uma melhora no relatório, um ponto aqui, um ponto ali, mas a sensação é que realmente não melhorou.”
De acordo com ele, o plano está sendo executado dentro da concepção inicial, que era construir as estações de tratamento na primeira etapa e investir bastante na segunda fase para transportar o esgoto a essas estações.
“A terceira etapa é uma sequência, agora para o anel externo da metrópole, cada vez mais longe, cada vez mais caro e cada vez mais em regiões complicadas”, diz. A previsão é gastar US$ 1,05 bilhão.
Interior
Segundo a Sabesp, antes, a mancha de poluição da Grande SP ia até Barra Bonita (267 km da capital). Hoje, recuou 160 km, até Salto.
A melhora é pequena, mas perceptível nos últimos cinco anos em Tietê, cidade a 145 km da capital que deve o nome ao rio, segundo Antônio Reginaldo Salvador, o Nei, 47, do Grupo Ecológico Tietê.
“Há cerca de 15 anos, o rio ficou crítico. De uns cinco anos para cá, melhorou muito, ano a ano, mas ainda está longe de chegar ao ideal.” Na cidade, o rio tem mais vida que na capital. A Folha viu peixes saltando na água e outros animais como patos, paturis, cágados, capivaras e garças em boa quantidade.
Mas havia também uma quantidade enorme de lixo, principalmente sacolas plásticas e garrafas PET, trazidas, segundo relato de moradores, da região metropolitana.
Apesar da existência de peixes, o rio perdeu quase todos os ranchos que tinha às margens e ninguém se arrisca a pescar no trecho hoje. “Eu só conheço um cara que pesca aqui, mas por diversão. Pesca e solta”, diz Edvandro Caldeira Vaz, 29.
(Por José Benedito da Silva, Folha de S. Paulo / EcoDebate, 08/11/2011)