O presidente da Bolívia, Evo Morales, começou a contra-atacar as centrais indígenas que o pressionaram a assinar uma lei que impede uma rodovia financiada pelo Brasil de atravessar uma reserva no centro do país. O governo determinou na sexta-feira a suspensão de licenças ambientais de empresas de turismo e madeireiras dentro do Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis).
A medida é vista como um artifício de Morales para sufocar economicamente as comunidades da região e fazer com que os indígenas passem a pedir a anulação da lei que inviabilizou a estrada. "Essa é uma maneira de pressionar a gente do Tipnis, que antes recebia as receitas advindas dessas atividades e agora vão deixar de receber", disse Humberto Gomez, diretor da Fundação Amigos da Natureza, em Cochabamba.
Gomez explica que essas são atividades economicamente importantes para os indígenas, que têm direito constitucional sobre o território. "As madeireiras obtiveram licenças legais e mantêm convênios com as comunidades, repassando a elas parte das receitas".
O atrito entre governo e indígenas começou em junho, quando a construtora brasileira OAS começou a abrir caminho para a construção de uma rodovia projetada para ligar os Departamentos (Estados) de Beni e Cochabamba. A obra tem financiamento de US$ 332 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e corta ao meio a reserva, de 1,2 milhão de hectares.
Sem terem sido consultados sobre o projeto, e temendo o avanço do plantio de coca no parque, os índios organizaram uma marcha de mais de 500 km até La Paz. O movimento teve um forte apelo popular, e Morales se viu obrigado a assinar uma lei que proíbe essa e qualquer outra estrada de atravessar o Tipnis. Os indígenas também pressionaram o presidente a incluir na norma a "intangibilidade" do Tipnis, o que acabou se tornando uma armadilha para eles.
Após a assinatura da lei, começou um bate-boca na mídia local entre membros do governo e líderes indígenas sobre os alcances do termo "intangibilidade". Para o governo, isso significa que nenhuma atividade econômica pode existir dentro do parque.
Um dia antes da suspensão das licenças, Morales esteve em San Inácio de Moxos, em Beni, e pediu a indígenas e moradores que pressionassem seus líderes pela execução da obra. "Fiz cumprir minha responsabilidade garantindo financiamento para a construção da estrada. Portanto, não peçam a mim, peçam aos dirigentes e deputados da região".
A suspensão das licenças foi vista como uma provocação por Fernando Vargas, presidente da Subcentral Tipnis, que liderou a marcha a La Paz. "Essa é uma decisão política, porque há uma negociação em curso sobre a regulamentação da lei", disse ele ao Valor. "Se o presidente quer gerar brigas entre os indígenas, ele está fazendo um chamado à violência no país."
(Por Fabio Murakawas, Valor Econômico / IHU On-Line, 14/11/2011)