Cerca de 1.500.000 km2 de florestas inundáveis, 30% da área da Amazônia, são vítimas potenciais das propostas de mudanças no Código Florestal Brasileiro, caso o texto seja aprovado como está.
Isto porque, ao estabelecer mensuração das faixas de Áreas de Proteção Permanente (APP) de margens de corpos d’água a partir do leito menor, o Código expõe ao desmatamento imensas áreas de florestas que são sazonalmente inundadas na Amazônia e que prestam um serviço fundamental não apenas para a biodiversidade amazônica mas, principalmente, para o pulso hidrológico dos rios da região, para a manutenção do clima e do regime de chuvas no Brasil.
Somente de várzeas e igapós – áreas úmidas típicas da Amazônia – são 400.000 km2 que apresentam uma variação enorme de vazão, inundando e expondo florestas inteiras com cheias de até 10 metros de altura em relação à vazante.
O alerta foi dado nesta quinta-feira (10/11), em um plenário de comissão praticamente vazio, pela professora doutora Maria Teresa Piedade, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), durante a audiência pública realizada na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle, para que fossem ouvidos, pelos senadores, especialistas sobre o tema Reforma do Código Florestal e as Bacias Hidrográficas.
Piedade apelou para que os parlamentares levem em consideração as terminologias mais adequadas para a determinação de áreas úmidas, para que não se cometam erros como a exposição de florestas inteiras.
“Lembrem-se de que estas florestas também são a base da sobrevivência dos peixes, de longe a maior fonte de proteína e de renda das populações ribeirinhas, que são nada menos que 60% da população rural da Amazônia”, disse a pesquisadora.
Para o senador Jorge Viana, co-relator do texto que tramita no Senado Federal é fundamental que a lei se utilize dos avanços científicos verificados desde sua revisão, em 1965. “É preciso ter em mente o papel fundamental das florestas na proteção dos recursos hídricos”.
Sem se comprometer a atender aos anseios dos ambientalistas, Viana disse à reportagem do WWF-Brasil que a questão central do Código Florestal Brasileiro é a proteção dos recursos hídricos, das nascentes até a foz. “Se o Brasil quer se posicionar no mundo como um grande produtor de proteína animal e vegetal, então tem que cuidar de suas águas”, disse.
Já o senador Rodrigo Rollemberg, presidente da Comissão, foi mais enfático. Segundo ele, diante dos fatos apresentados pela pesquisadora do Inpe, é preciso estabelecer uma excepcionalidade da lei para a Amazônia.
“O bioma Amazônia tem importância fundamental na regulação do clima e das chuvas no país, e as áreas alagadas são extensas e importantes neste sentido. Portanto, temos que ter uma atenção especial para este tema no Código Florestal”, avaliou Rollemberg.
Segundo Kenzo Jucá, analista de Políticas Públicas do WWF-Brasil, é preciso cobrar dos senadores que, durante as discussões e votações no Senado, cumpram as declarações públicas. “De nada adianta afirmar que o país precisa zelar pelos recursos hídricos e que a Amazônia é essencial para a questão climática se, em plenário, continuarem a aceitar e endossar o jogo dos ruralistas, que querem evitar que as áreas úmidas sejam protegidas e buscam alterar os critérios de medição das APPs ciliares”, avaliou.
Kenzo Jucá lembrou que os debates no Senado são mais uma oportunidade para os senadores ouvirem a voz de especialistas antes de tomarem decisões importantes sobre o Código Florestal. “Precisamos valorizar nosso ativo ambiental e científico e proteger o meio ambiente do país. Isso nos dará condições de ser um país diferenciado no cenário global e de exercer uma liderança nas questões ambientais que afligem o planeta”, disse.
Serviços ambientais
A mesa foi composta, além de Maria Piedade, pelo diretor de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), João Gilberto Conejo, pela ex-secretária de Meio Ambiente de São Paulo, Stela Goldenstein e pelo chefe da Procuradoria do Estado de São Paulo, Pedro Ubiratã.
Foram debatidos temas importantes como a aplicabilidade do Código em áreas urbanas e a importância de que a legislação a ser criada não venha a suscitar novos embates, desta vez no âmbito judiciário. Um tema, entretanto, foi recorrente: a necessidade de pagamento por serviços ambientais e outros mecanismos de incentivo à conservação, além de ações de comando e controle (fiscalização).
Conejo, da ANA, disse que, com o fim das concessões do setor hidrelétrico, é hora de debater o uso dos recursos que até agora iam para a amortização da própria construção dos empreendimentos em pagamento de serviços ambientais.
Outras fontes de recursos foram propostas, inclusive a criação de um fundo específico para pagamento de serviços ambientais a partir da cobrança pelo uso da água nos comitês de bacias. “Isto porque, na experiência de São Paulo, os recursos acabam indo para saneamento, que, todos sabemos, é um sumidouro de dinheiro”, disse Stela Goldenstein.
Cabeça de Senador
Para Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da SOS Mata Atlântica e representante do Fórum Paulista de Comitês de Bacias Hidrográficas, a audiência pública não serviu para acalmar as angústias dos organismos de bacias e ambientalistas presentes.
“Todas as contribuições dos especialistas foram muito esclarecedoras. Resta saber o que os senadores irão incorporar e como irão incorporar ao projeto, sobretudo no que trata das medições de faixas marginais de APPs de beira de rio. Esta é nossa preocupação”, concluiu.
Parafraseando o senador Luiz Henrique, relator da matéria, que disse que tem dois ouvidos e uma boca para ouvir muito e falar pouco, Malu Ribeiro lembrou que “senador tem dois ouvidos e uma boca, mas também tem uma só cabeça. Saímos daqui com muitas dúvidas”, concluiu Malu.
(Por Gadelha Neto, WWF / Instituto CarbonoBrasil, 14/11/2011)