Nos últimos quatro anos, o Wikileaks expôs diversos fatos desconhecidos e práticas anti-éticas como nunca antes. Ao combinar o espírito ético de hackers que procuram informações de graça com o desejo de aumentar a transparência publicando informações que os leitores deveriam conhecer, a organização mudou as regras do jogo para os jornais. Introduziu uma nova mentalidade entre os jornalistas, editores e professores e alunos de jornalismo no mundo inteiro.
A questão agora é se a organização liderada por Julian Assange, indicado para o Nobel da Paz em 2011, conseguirá continuar com seu trabalho com espírito público – ou se irá ser derrubado por um bloqueio financeiro sem precedentes.
No último ano, desde que o Bank of America, VISA, MasterCard, PayPal e Western Union pararam de processar transações financeiras envolvendo o WikiLeaks, essa organização midiática sem fins lucrativos perdeu dezenas de millhões de dólares em doações. O bloqueio financeiro privou-a de 95% de suas receitas e forçou a queda das suas reservas.
A resposta é uma campanha de arrecadação de fundos, iniciada em 24 de outubro, com o nome de “WikiLeaks Needs You” [o WikiLeaks precisa de você]. Por meio de anúncios em jornais e em sites, apela aos apoiadores ao redor do mundo buscando doações.
O bloqueio financeiro dificultou a contribuição. Apesar da possibilidade de transferência bancária ou de contribuições por cheques, tais doações têm grandes custos de transferência, o que resulta em perda de receita.
O WikiLeaks agora conta com maneiras alternativas de transferência de fundos e divulgou os detalhes no website. Espera que as medidas opressoras de adversários poderosos sejam contornadas, e que se veja livre para retomar o que faz melhor — “oferecer uma maneira inovadora, segura e anônima” para que denúncias verdadeiras sejam difundidas ao mundo.
Em uma declaração emitida no mesmo 24/10, o WikiLeaks disse que o bloqueio dificultou a continuidade suas atividades em 50 países. Em virtude disso, a organização anunciou que parou as publicações temporariamente, e desloca sua atençaõ para arrecadar recursos e lutar contra os obstáculos. Essa luta não é apenas para a sobrevivência própria, mas também pelo direito dos apoiadores a “expressar economicamente o apoio a uma causa na qual acreditam”, diz a declaração.
Os problemas para o site intensificaram-se em novembro de 2010, depois de começou a publicação de trocas de correspondências confidenciais entre diplomatas norte-americanos no mundo inteiro. O WikiLeaks colaborou com cinco jornais – The Guardian, The New York Times, Le Monde, El País e Der Spiegel – e disponibilizou a eles cerca de 250 mil correspondências. Mais tarde, outros jornais, juntaram-se ao projeto.
À medida que mais verdades desconfortáveis surgiam na superfície, esforços concentrados para bloquear o WikiLeaks intensificaram-se. Dois dias depois da publicação, o governo dos Estados Unidos anunciou que iria investigar o WikiLeaks por violação de leis de espionagem. Mike Huckabee, um político republicano, pediu a execução de Julian Assange, editor-chefe do site. Outra republicana, Sarah Pailin queria que Assange fosse “caçado”.
As consequências da pressão estadunidense tornaram-se claros. Já em 1º de dezembro de 2010, depois de receber uma ligação de Joe Liberman, presidente do Comitê do Senado dos EUA para Segurança Doméstica, os serviços da Amazon Web pararam de hospedar o website do WikiLeaks. Lieberman continuou o ataque, pedindo que as organizações que ajudavam o WikiLeaks “terminassem imediatamente” sua relação.
Em 3 de dezembro, o serviço de pagamento online PayPal anunciou que “restringiu permanentemente” as contas do WikiLeaks usadas para buscar doações e mobilizar recursos. MasterCard, Bank of America e Western Union aderiram em seguida. No final de dezembro, as doações por meio de bancos a cartões de crédito não chegavam mais. A situação na Europa era similar: Visa e MasterCard, que juntos transferiam 95% dos pagamentos por crédito em 2010, bloqueados.
Um aplicativo do WikiLeaks que permitia que usuários da Apple acessassem os documentos foi removido da Apple no final de dezembro de 2010, apenas quatro dias depois de ter sido lançado.
Citando Igor Barinov, o criador do aplicativo, o The Guardian anunciou que metade dos lucros obtidos na venda do aplicativo – que custava US$ 1,99 – havia sido doada ao WikiLeaks. Privado dos fundos, o site teve que usar suas reservas para continuar configurando servidores em diferentes países e publicando histórias e furos.
Companhias de cartões de crédito e bancos tentaram defender suas ações alegando que “o serviço de pagamento não pode ser utilizado para qualquer atividade que encoraje, promova ou instrua outros a se engajarem em atividades ilegais”. No entando, nenhuma acusação de ilegalidade foi oficialmente feita contra o WikiLeaks.
Em dezembro de 2010, a polícia federal australiana, que investigou se o WikiLeaks e Assange quebraram alguma lei, ao publicarem documentos confidencias dos Estados Unidos, concluiu que não havia nenhuma evidência para acusação. Em 14 de janeiro de 2011, The Wall Street Journal, citando Dow Jones Newswires, anunciou que o departamento do Tesouro dos Estados Unidos não tinha “evidências suficientes para aplicar alguma sanção contra” Assange ou o WikiLeaks.
A Reuters confirmou que o Departamento de Estado dos EUA tinha uma visão similar. Citando um oficial do Congresso, as agências de notícias e de informações financeiras declararam que o governo foi “obrigado a dizer publicamente” que as revelações do WikiLeaks afetaram seriamente interesses americanos.
Como os jornais deveriam lidar com organizações desse tipo, que tiveram um grande impacto no jornalismo e promoveram mudanças nas relações entre o jornalista e a fonte?
Essas questões foram debatidas por um grupo no 18º Fórum Mundial dos Editores (WEF), realizado em Viena, em outubro de 2011. À frente das discussões, Julian Assange, em uma conversa com N. Ram, editor chefe do The Hindu e palestrante, ofereceu sua perspectiva sobre o WikiLeaks como uma organzação jornalística e como uma fonte.
“O WikiLeaks é um editor… com notícias e histórias” disse ele. “E é um editor muito generoso. Quando o material que adquirimos é mais do que conseguimos usar ou tem mais relevância em outras regiões, como um ato de generosidade e espírito amistoso chamamos outra organização para compartilhar o tesouro”.
Quanto aos WikiLeaks como fonte, “frequentemente sua fonte não é a pessoa que escreveu o documento”, explicou Assange, “mas alguém em uma cadeia que talvez vá até você [com um material confidencial]. E dessa perspectiva, não somos diferentes de nenhuma outra fonte na cadeia”.
O editor-chefe do WikiLeaks ainda ofereceu outra perspectiva: WikiLeaks é também “como um agente para escritores. [Sem um agente] os escritores não costumam obter transações muito boas. Mas se eles tiverem um agente que ofereça o material para editores diferentes, conseguem uma transação muito melhor. Isso é uma perspectiva do WikiLeaks como uma fonte”.
Citando a resposta de Assange na discussão da WEF em Viena, Ram, o editor-chefe do The Hindu, comentou que “a confusão está apenas em nossas mentalidades como jornalistas profissionais que frequentemente trabalham com a suposição de que temos, e seguimos, padrões profissionais aceitos e claros na relação com as ‘fontes’. Essa suposição é um mito. Quando falamos em lidar com fontes, especialmente fontes confidenciais, as práticas do mercado tomam um espaço surpreendente… desde regras éticas e garantias introduzidas pelos supervisores jornalísticos nas organizações midiáticas… até o vale tudo. O vasto meio termo é o ‘nebuloso’”.
Quanto à questão da “agenda”, o editor chefe do The Hindu comentou que toda organização de notícias tem uma agenda e que “não há motivo especial para suspeitas, ou desconfianças a respeito da agenda do WikiLeaks” ou de qualquer organização de denúncia, por essa razão. “Você só precisa aplicar processos de verificação jornalística e padrões para lidar tanto com o conteúdo quanto com a fonte”.
Sendo esse o caso, acusar o WikiLeaks por ataques agressivos e sem precedentes cheira a hipocrisia e arbitrariedade. A organização sem fins lucrativos, que depende de voluntários, compreensivelmente tem caracterizado o bloqueio financeiro como ilegal. O bloqueio é visto como “um ataque sem precedentes aos defensores da liberdade de expressão” e “interferência direta na capacidade das pessoas em provocar mudança”.
Comparando as ações com a caça às bruxas da era McCarthy, Ram adverte que, a menos que a ação ilegal seja seriamente desafiada e revertida, “o Greenpeace, a Anistia Internacional e outras ONGs internacionais que trabalham para expor infrações de agentes poderosos correm o risco de ter o mesmo destino que o WikiLeaks”. Mesmo os jornais que publicaram furos podem não ser poupados no futuro, advertiu.
O WikiLeaks anunciou que está agindo para questionar o bloqueio legalmente “em diferentes jurisdições”. Como primeiro passo, junto à DataCell, uma companhia de tecnologia de informação sediada na Islândia, que manipulou as doações de cartões de crédito, o WikiLeaks entrou com uma queixa formal na Comissão Européia contra Visa Europa e MasterCard Europa. A Comissão pediu uma explicação das empresas.
(Por A. Srivathsan, com tradução de Daniela Frabasile, The Hindu / Outras Palavras, 27/10/2011)