Decidido a manter o pedido ao Brasil para que financie uma estrada ligando a isolada região de Beni a Cochabamba, próxima ao centro do país, o governo Evo Morales detalhou, na terça-feira, a diplomatas de países amigos seu plano para aplacar os protestos contra a obra, que atravessa um santuário natural e uma reserva indígena.
Morales fez aprovar, na madrugada de segunda-feira, no Congresso boliviano, uma série de medidas que abrem caminho para um traçado alternativo contornando o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis), razão dos protestos, que provocaram grave crise no governo.
Pela lei aprovada pelos congressistas bolivianos, foram suspensos os planos de construção do trecho da estrada que atravessa o parque (que não haviam sido ainda iniciados) enquanto não for realizada uma consulta aos indígenas sobre a obra, que terá poder de determinar ou não sua realização.
Numa demonstração de que não planeja simplesmente cancelar a estrada, o governo comunicou aos diplomatas que estuda um traçado alternativo - o que deverá encarecer a obra, a cargo da brasileira OAS.
O Brasil financia a construção, por meio do BNDES, a pedido dos próprios bolivianos, que, no entanto, estão engolfados em disputas internas na base de apoio ao governo Evo Morales. Sem oposição capaz de ameaçar sua permanência no governo, Morales enfrenta divergências violentas entre as populações indígenas do chamado altiplano, entre as quais estão produtores de coca, e os indígenas amazônicos, que se sentem ameaçados pela obra a cargo da OAS.
Há também uma disputa no governo Morales entre os integrantes contrários a projetos de desenvolvimento que impliquem em ampliação da exploração de recursos naturais e ameacem a "mãe Terra", ou Pachamama, e os que, capitaneados pelo próprio Morales, defendem um projeto desenvolvimentista que desagrada a algumas comunidades indígenas e a organizações não governamentais.
Enquanto a Bolívia é atravessada por marchas de grupos contrários e de aliados a Evo Morales, o clima político é influenciado fortemente também por uma originalidade boliviana, as "eleições judiciárias", que, no domingo, permitirão por voto universal direto a escolha dos integrantes dos tribunais Supremo Eleitoral, Constitucional e Agroambiental, e do Conselho da Magistratura.
A oferta de suspensão do trecho polêmico através do Tipnis e da consulta pública (que não deixa claro quais serão as comunidades indígenas consultadas) despertou críticas dos organizadores dos protestos, situados em segmentos à esquerda do espectro político boliviano.
No governo brasileiro, que está consciente da disputa interna entre as forças governistas na Bolívia, autoridades que acompanham o debate sobre a obra argumentam que a participação do BNDES foi um pedido do governo Morales, por interesse dos próprios bolivianos.
Embora a obra tenha sido divulgada como parte da ligação entre as rotas para os Oceanos Pacífico e Atlântico passando por território boliviano, a estrada, na realidade, segue um trajeto Norte-Sul, e não é vista como parte do projeto brasileiro de integração continental.
Segundo os auxiliares da presidente Dilma Rousseff, as garantias proporcionadas pelo Convênio de Crédito Recíproco (CCR) e pelos contratos de fornecimento do gás boliviano ao Brasil fazem com que a operação seja considerada segura do ponto de vista financeiro, e o BNDES deverá analisar a viabilidade de traçados alternativos que vierem a ser apresentados pelo governo da Bolívia.
(Por Sergio Leo, Valor Econômico / IHU On-Line, 13/10/2011)