O indígena acusa a coordenação da Funai, em Atalaia do Norte, de provocar a apreensão do Ibama
Por transportar quelônios, ovos de tracajá e duas antas provenientes de uma aldeia na região do Vale do Javari, no município de Atalaia do Norte (a 1.136 quilômetros de Manaus), o indígena Clóvis Rufino, da etnia marubo, foi multado em R$ 2, 6 milhões pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no último dia 28 de setembro.
Indignado com a ação, Clóvis Rufino acusa o coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai), Bruno Pereira, de provocar a aplicação da multa e de ser o responsável pela ação do Ibama.
Em declaração ao portal acrítica.com, por telefone, de Atalaia do Norte, Rufino disse que os produtos não eram para comércio, mas encomendas enviadas por outros indígenas de sua aldeia de origem, São Sebastião. Ele conta que esteve na aldeia participando de uma assembleia na semana passada.
Segundo Clóvis, os animais seriam destinados a estudantes indígenas que vivem na sede de Atalaia do Norte e a pacientes da Casa de Saúde Indígena (Casai) que não comem carne de boi e de frango e determinadas espécies de peixe.
“Se os parentes mandam, não vou negar. Não era para fim comercial. Os pedaços dos tracajás estejam cortados e guardados em vários saquinhos separados. Era um saco para cada pessoa. Tinha também paneiro com banana e abacaxi. Aqui a gente protege a biodiversidade, mas a gente também come. Isso é normal nas aldeias”, afirmou.
Ele relata que foi abordado nas proximidades do porto da sede do município por Bruno Pereira, que estava acompanhado de um policial militar. Somente ao chegar no porto é que o Ibama e a Polícia Federal teriam sido acionados.
“O coordenador fez um escândalo. Não considerou o fato de eu ser indígena e de que os produtos não eram para comércio. Nesse período acontece, todos os anos, o festival de ovos nas aldeias marubo. É o período em que os ‘parentes´ fazem a coleta e oferecem aos velhos, crianças e mulheres”, disse Rufino, que nesta quarta-feira (05) enviou uma carta à presidência da Funai solicitando assessoria jurídica para responder à aplicação da multa.
Junto com Clóvis, na canoa, estava ainda dois funcionários da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Além dos animais, também foram apreendidos motosserras pertencente à aldeia e à Sesai.
Audiência
Nesta quarta-feira (03), Clóvis Marubo enviou carta à presidência da Funai solicitando assessoria jurídica para acompanhá-la na audiência que fará no Ibama, cuja sede é em Tabatinga, vizinha de Atalaia do Norte.
Procurado pelo portal, Bruno Pereira confirmou a apreensão, mas negou que a iniciativa tenha sido dele. Pereira, contudo, disse que a Funai chegou a receber a denúncia de um indígena, o que teria motivado a abordagem a Clóvis.
“Havia ‘brancos´ na canoa, mas somente o Clóvis assumiu o transporte dos animais. A Funai se posicionou para que ele não fosse preso. Quem aplicou a multa foi o Ibama, a Funai não tem essa competência”, afirmou.
Questionado se a coordenação da Funai vai dar acompanhamento jurídico a Rufino, Pereira disse não saber. “Brasília está acompanhando o caso”, afirmou. O coordenador não quis comentar sobre as outras declarações de Rufino a seu respeito.
Ibama
A reportagem ligou para o telefone do Ibama, em Tabatinga, mas o coordenador já tinha saído, segundo informações do vigia do prédio.
O superintendente do Ibama, Mário Lúcio Reis, informou que a captura, armazenamento, o transporte e o comércio de quelônios são considerados infrações ambientais administrativas, regulamenta pelo Decreto 6514/2008. A ação também é considerada crime ambiental, regulamento pela Lei 9.605, de 1998.
Ele disse que a multa por cada animal silvestre é de R$ 5 mil. Cada ovo de quelônio é considerado também um animal. Sobre o caso de Clóvis Rufino, Reis afirmou que um processo deve ser instaurado e ele será investigado. Dependendo da situação, o valor da multa pode ser reduzido.
O fato de ser indígena pode ajudar na redução, embora o usufruto de animais silvestres seja restrito a terras indígenas. “No decorrer do processo isso pode ser levado em consideração”, afirmou.
(Por Elaíze Farias, A Crítica / Amazonia.org.br, 06/10/2011)